segunda-feira, 28 de setembro de 2009


PINHEIRO NETO MANTÉM AS HONRAS DA CASA

Santa Catarina é estado que detém ampla faixa litorânea, ostentando múltiplas e belas praias. Santa Catarina teve seu primeiro grande povoamento realizado por açorianos, provindos de ilhas vulcânicas, irrompidas em pleno Oceano Atlântico, distanciadas do continente europeu, em inevitável contato permanente com o mar. Dos Açores provieram esse contato e essa quase dependência do mar. Não admira, pois, que a Ilha de Santa Catarina, por vezes denominada a Décima Ilha (em relação ao Arquipélago dos Açores, formado por nove ilhas), tenha produzido o primeiro escritor marinhista da América Latina – Virgílio Várzea –, mantenha profícua tradição marinhista em sua literatura, e tenha editado, entre outros escritos marinhistas, uma coletânea de contos Este Mar Catarina. Torna-se praticamente inviável que um habitante desta Ilha da Magia mantenha seu olhar e seu sentimento alheios a essa maravilha incomparável que é o nosso mar.
Entretanto, se a visualidade aprazível do mar e suas arrebatadoras praias constituem riqueza inestimável para todos nós, apreciável parcela dos ilhéus teve, há séculos, sua vida, suas economias, seus sonhos condicionados pelo mar, praticamente sempre a duras penas e em meio a incontornáveis perigos – os nossos pescadores, marcantes igualmente em nossa literatura, desde Mares e Campos, de Virgílio Várzea, Praias da Minha Terra, de Araújo Figueredo, Homens e Algas, de Othon d’Eça, Maré Alta, de Almiro Caldeira, Singradura, de Flávio Cardozo, Mare Nostrum, de Salim Miguel, entre outros. Na mesma tradição estético-humanística vem inscrever-se agora o Poeta e Acadêmico Pinheiro Neto com seu primeiro livro de contos Histórias de (A)Mar e Outras – nesses novos rumos que ensaia sua criação literária, após quase três décadas dedicadas à poesia, com a publicação de cinco volumes de poemas.

Dois caracteres especificadores, no meu entendimento, marcam essas doze narrativas: tematicamente, o enfoque quase permanente das agruras do pescador, mantendo sua atividade pesqueira, quando os avanços da tecnologia da pesca tornam quase inócua essa rude forma artesanal; formalmente, trata-se, invariavelmente, de relatos centrados em personagens, reduzidas ao seu confinamento solitário, pelo que a técnica apropriada à sua expressão explora sobretudo o fluxo do pensamento e das sensações, o monólogo interior. Essa última é a nota mais diferenciadora em relação aos nossos ficcionistas do passado.
Dividido em dois Atos – “Histórias de (A)mar” e “Outras”, o livro inicia com “Limites”, um título esclarecedor para as limitações das personagens, de nível popular simples, nessa comunidade pesqueira, captando muito bem o fluxo da consciência de Lina, perplexa ante Vino, quando a ingenuidade está posta à prova. Na narrativa subseqüente – “Ana do Mar – homóloga em ambiência e técnica de registro, insinua-se bem o universo de crendices populares, de acanhadíssima cientificidade: as mulheres não admitiam participação de Ana nas saídas de barcos de pesca e mantinham viva a lenda de que, como na primeira participação matara um golfinho, um pecado mortal, receberia seu castigo. Ana torna-se verdadeiro mito entre os pescadores. O final trágico traz-nos, de imediato, à mente o conto de Othon d’Eça “Os Gêmeos do Egídio Calheta” (de Homens e Algas). Contudo, se no clímax há sobreposição, os antecedentes e os conseqüentes apresentam outra ordem de procedimentos.
Sempre no delineamento do universo do pescador, “Milagre de Onório” faz desdobrar-se, entre pesadelo e sonho, entre angústia e miragem, o universo tacanho, carente, sofrido daqueles que buscam a subsistência da família através da pesca.


Enquanto a função biológica povoa a casa de filho, causas diversas reduzem os meios de subsistência, impondo-se, invariável, o fantasma da fome. À semelhança do universo delineado por Salim Miguel no romance A Rede, e do conto “A Vela dos Náufragos”, de Virgílio Várzea, “Palavra Pesada” nos restitui o pescador defraudado – “barcos estranhos a levar o peixe do pai...”. O leitor é invadido pela opressão diante da narrativa sincopada, de palavras-frases, com predomínio de verbos, na tentativa de captar a agitação da mente, a angustiante frustração participativa, no contraste entre a ação e a represália.
“Tridente de Netuno” retoma o veio fundamental do livro, trazendo o fluxo mental de Naldo, em forte presentificação, para retratar sua mente conturbada, na incorrespondência da amada ao seu amor à primeira vista: seu coração, palpitante de amor e carência, contrasta com o coração da mulher, frio e distante. Lembrando entrechos de Virgílio Várzea, em “O Peão da Lagoa” o fluxo inicial de Joselino delineia o pescador desiludido, aliciado pelo salário fixo, mesmo que mínimo, em emprego estável. Convencendo-se que “Rio Grande era o destino”, não o do mar, mas o dos “verdes campos”, mesmo que o sonho permaneça ambíguo, entre a tarrafa e o laço, deixa sua terra e o narrador rapidamente sintetiza seu empreendimento, para concluir com uma carta explicitando todo o acontecido posteriormente. Criativamente, o relato incorpora diversas técnicas: o fluxo mental da personagem, o registro mais objetivo do narrador e a interferência epistolar. ¨Jurual” intensifica o fluxo amargo da mente da personagem, frustrada pelas limitações da sua deficiência, sentindo-se reduzido a um traste que não suporta mais a vida dos pescadores aptos para atividades normais. Embora atendido por sua irmã Rufina, sonhos e miragens se desfazem em crescentes dores e ódios, com interferências do tema de Fausto. Tonalidades kafkeanas, nos relacionamentos com os pais, configuram essas duas criaturas malditas.

O segundo Ato inicia com “Meleta”, alterando temática e técnica registradora, único caso narrado em primeira pessoa, conto que se assemelha, num primeiro olhar, a crônica ecológico-saudosista, no regresso aos tempos de infância. Porém, melhor examinado, não seria o “campo” o grande protagonista dessa ação, na matéria de memória resgatada? E não seria a “evolução” o grande antagonista que já tantas vezes desfigurou nossas paisagens? Igualmente “Torpor” substitui a ambiência do mar e da pesca por cena que acontece na redação de jornal, onde o redator experimenta tão forte “torpor,” que a corrente de consciência o arrasta repetidamente para vivências distanciadas que se presentificam. “Reflexões” constitui um corte transversal na vida da personagem, autêntica “fatia de vida”: intimista, confusa, indefinida, contraditória, sem entender-se nem entender o companheiro, a personagem, numa noite de insônia, se questiona sobre o que suas máscaras ocultaram até hoje e o que poderia ser diferente, num fluxo de consciência de cruciante perplexidade. “Tetonas Pretas”, a mais longa das narrativas, enfoca o ambiente do carnaval, com as extravagâncias de Mano, que extrapola todas as conveniências. Muito positivo é o aproveitamento da linguagem oral e os profusos diálogos que dinamizam a fluência. Por fim, a criação contística de Pinheiro Neto inclui neste segundo ato a adaptação, por roteiro cinematográfico, de um conto de Flávio José Cardozo, intitulado “Lourenço Rouxadel Salva a Honra da Casa”, ora denominado “A Honra da Casa”, filmado para a RBS TV em 1980. Registre-se, aqui, o trabalho literário para ser transformado em imagens, buscando a dinâmica visual possível, nos limites que a cena muito concentrada em espaço restrito permite. Diálogos e imagens mantém comunicativo entrosamento.



Pinheiro Neto sempre foi escritor identificado com a condição ilhoa, manezinho a prezar sua gente e seu chão, cantado com especial carinho nos poemas de Minha Senhora do Desterro. Entretanto, agora, a tonalidade lírico-amorosa dos poemas cede vez a um enfoque bem mais realista, trágico, amargo, desiludido, cruel até, por não fugir à realidade desse segmento social – os pescadores artesanais, na sua tradição inculta, acanhada, mas que não deixam de cultivar seus sonhos e seus anseios de vida. De modo geral, as narrativas se apresentam breves, enxutas, com predomínio da técnica do fluxo interior das personagens, deixando transparecer suas sensações aflitivas e mantendo final aberto, fazendo predominar o insinuado sobre o explicitado. Ao enveredar por esse novo gênero expressivo, Pinheiro Neto confirma sua segurança de escritor.

Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Confraria da Leitura-pn 2

CONFRARIA DA LEITURA-pn
Pinheiro Neto (poetapinheironeto@gmail.com)



Papo Inicial – Por um lapso editorial a estréia desta coluna não teve devidamente divulgada sua autoria. Na qualidade de colaborador, em conversa com o proprietário deste jornal, senhor Sérgio Olivares, prontifiquei-me a voltar a fazer o que já fiz em muitos jornais de nosso Estado: uma coluna para divulgar a produção literária, artística e cultural daqueles que aqui nasceram ou aqui residem.
São poucos os espaços para divulgação literária e cultural, principalmente dos mais jovens. As que existem são em sua maioria de iniciativa abnegada e não comercial. Os grandes jornais cada vez mais reduzem os espaços destinados à área. E quando divulgam são “notinhas de rodapé. Só promovem o que lhes interessa comercialmente. Os governos... ah, os governos... Esses praticamente esquecem os produtores culturais.
Hector Bohamia, coreógrafo argentino que apresentou seu espetáculo Estado de Liberdade em Florianópolis no último dia 15 disse em entrevista que “os teatros na América Latina estão maltratados, a cultura está deixada de lado, não é necessária para políticos.” Quanta verdade!

VENTOS DO SUL – Em minhas mãos o número 32 da Revista do Grupo de Poetas Livres, referente ao período de janeiro a junho deste ano. São vários eventos realizados, dentre eles: comemoração do décimo primeiro aniversário do Grupo, Viajando com poesia – cartazes-adesivos com poemas afixados em ônibus da capital para leitura pelos passageiros. A publicação de poemas de sócios correspondentes, de poetas do Grupo e de poetas novos constituem o tronco da revista. Por outro lado, duas iniciativas são extremamente significativas: uma página dedicada aos grandes poetas catarinenses na falecidos – nesta edição a homenagem é a Virgílio Várzea – e uma matéria assinada pela presidente do GPL, em licença Maura Soares, sobre a minha querida colega de Academia Catarinense de Letras Sylvia Amélia Carneiro da Cunha, com foto e a reprodução do poema “O último canto” publicado no número 13 da Revista da ACL. Parabéns a todos os integrantes do Grupo. O site: www.poetaslivres.com.br

MOACIR PEREIRA – Dakir Polidoro: a hora do despertador é o mais novo livro desse dinâmico jornalista e escritor, que tem como objetivo dar continuidade à preservação da memória de importantes personalidades catarinenses.
Dakir Polidoro enquanto radialista consagrou-se com seu programa na rádio Diário da Manhã “A hora do despertador”, levado ao ar durante quase 35 anos sempre a partir das 6 da manhã e, enquanto político chegou a ocupar o cargo de Prefeito de Florianópolis.
O novo livro de Moacir Pereira é publicado pela Editora Insular, com a participação da Associação Catarinense de Imprensa e foi prefaciado por Norberto Ungaretti.


MINUTOS DE MAR – Com pesquisa, organização e atualização lingüística a cargo de Lauro Junkes, seu atual presidente, a Academia Catarinense de Letras reuniu e editou vários textos de Santos Lostada, patrono da cadeira 32 daquela casa. São poemas, contos e crônicas publicados em jornais da época. Embora sem nenhum livro publicado durante sua vida, “foi uma pessoa que se preocupou com a literatura, que amou a literatura, que estimulou o progresso literário” Foi prosador, poeta também jornalista.
Manoel dos Santos Lostada nasceu na localidade de Furadinho, então município de Palhoça, atualmente no âmbito de Enseada do Brito, a 8 de março de 1860. Cedo transferiu-se com a família para a capital Desterro, onde estudou trabalhou e exerceu várias funções públicas. Faleceu em Florianópolis, a 20 de outubro de 1923.

ELEIÇÕES NA ACL – A luta para ocupar a cadeira 08 da Academia Catarinense de Letras, vaga com o falecimento do saudoso e caro amigo Sílvio Coelho dos Santos continua. Este mês de setembro teremos o terceiro round. Será que desta vez sairá fumaça branca das chaminés do “velho sodalício”?

BARCA DOS LIVROS – Mensalmente a Sociedade Amantes da Leitura imprime e distribui a programação da Barca dos Livros, projeto vitorioso cujo objetivo maior é promover e incentivar a leitura no sentido amplo.
Funcionando de 3ª a 6ª das 10h às 20h e sábados e domingos das 14h às 20h, à Rua Senador Ivo d’Aquino, 103, em frente ao trapiche da Lagoa da Conceição, este mês de setembro a Barca promove: Quintas Literárias – ciclo de leituras de Shakespeare, das 19h às 21h (R$5,00 por sessão), Cursos e Oficinas de Formação de Leitores, aos sábados, com 20 vagas (R$100,00 – desconto de 30% para quem participou de curso ou oficina promovido pela Barca no primeiro semestre). Também permanente é a atividade “A escola vai à barca” – visita de escolas à biblioteca, com sessões de leitura e narração de histórias. Os professores que desejarem levar seus alunos ( no máximo 20 de cada vez), devem agendar pelo telefone 3879-3208. Essa atividade é realizada sempre às quartas feiras às 10h, 14h e 16h e é totalmente gratuita.
Veja como tornar-se um “proeiro”. Acesse www.amantesdaleitura.org

PONTO DO POETA

É sul
Vento
Cinza-tarde.
É céu
Frio
Escura nuvem.
É som
Silêncio
Compulsiva dor.
(de Ciclo dos Olhos)