A
PRIVADA DA VÓ DO ALEMÃO
Rui Cesar Bittencourt
Barra da Lagoa, em Florianópolis, é um local bastante interessante. Com
muito de suas características ainda preservadas, é única. Comunidade
pesqueira das mais produtivas, abastece o ano inteiro nosso mercado com
tainhas, enchovas e corvinas. Tem personalidade e vida próprias.
Conheço nativos que conseguem passar meses, às vezes um ano inteiro sem
sequer ir ao centro... - não “carece”...lá tem tudo, dizem eles. Quando
vão é para consultar com os “Doutori”...!!!
Com seu vai e vem ininterrupto dos barcos de pesca, linguajar próprio, fruto
de seu “fechamento cultural”, ali mantém-se vivo
o sotaque carregado açoriano-manezes.
Tem “causos” e personalidades-peças-raras que são hilários.
O Alemão grandão é um deles.
Numa dessas sextas-feiras, de passagem por lá, vejo meu amigo subindo a
rampa de acesso à ponte ex-pênsil – que agora não balança mais - depois
de reformada e tornada rígida pelo Prefeito “Daro ”.
Todo compenetrado, carregava umas tábuas nas costas, atravessadas,
incômodas, uma viga, ou barrete, na frente, caminhando com dificuldade.
- Vais construir o quê Alemão, com esse madeirame todo? ...perguntei
brincando.
- Meio encurvado pelo peso, sacana do jeito que é, prontamente responde:
- é pra reformar a privada da minha Vó, relíquia da família, lá em cima
do morro.
Era verdade.
O cara é uma peça raríssima. Comprido, quase dois metros de altura, de tão
alto e desengonçado, é até um pouco corcunda, seguramente de tanto olhar
para baixo para conversar com as pessoas. Só vendo o tipo, legítima
encarnação do manézinho típico da Ilha.
Somos amigos há uns bons anos. Para terem uma idéia, eu meço um metro e
oitenta e para falar com ele tenho que olhar pra cima...!
De sorriso fácil, fala grossa, olhos grandes e “arregalados”, carrega
vários colares no pescoço e pulsos, com bolas grandes e pequenas de madeira,
como adornos e proteção. Entre os colares pendurados um deles ostenta
miçangas coloridas, azuis e brancas, não meras coincidências, pois
irremediavelmente circula pela Barra quase que com o uniforme completo do
Avaí, fanaticamente seu time do coração. Está sempre vestindo a camiseta
oficial por fora das calças ou bermuda e boné azuis, com o símbolo do
Leão.
Faz um misto de “girafa” (pela altura) com pai-de santo-avaiano, pelos
tantos penduricalhos, cores e excentricidade exibidos.
Perguntei como é que ele faz para tomar banho, com
todos aqueles badulaques ?
- Alguns eu tiro, outros não…nuuuunnnnca do pescoço: - são “muito fortes”,
dizia ele...!!! Pelo boné já me ofereceram uma grana, mas nem pensar em
vender.
“Bafinho” de cana no ar, fechando os olhos enquanto falava, seu costume,
me explicava que a privada, lá no alto do morro... - é antiga pra caramba.
- Foi lá que minha Vó “rezou” durante toda sua vida...e a família
inteira, por muitos anos, também lá sentou pra fazer suas “oraçõezinhas” de
manhã cedo....!!! E ria, com uma baita cara de sem-vergonha.
- O neguinho baixava as calças e sentava no trono de madeira, com vista
panorâmica por entre as largas frestas das tábuas, obrando e apreciando o
mar distante lá de cima, com aquele ar puro; um privilégio para poucos.
– ‘Tá chegando o bote do fulano, saindo o do beltrano... aquele ‘tá
carregado, afundado pelo peso, o outro não matou nada....
- Ôhh Rui, escuta aqui óh – e se inclinava para falar comigo - vou te
confessar uma coisa que poucos sabem: - muita revista de “mulhé” pelada eu
levei lá pra trás....e ria o safado..!!!
- Agora, te digo, com o ventão nordeste de inverno, que pega de frente no
barraco, imagina, chegava a congelar o rabo do neguinho. Tinha que ser
ligeiro no ato...!!! Era vapt-vupt e cair fora.
- Rui, Rui, me pegando pelo braço.: - a véinha, que Deus a tenha, gemia,
gemia... mas não desistia...!!!. E dá-lhe gargalhadas.
Eu também, nessas alturas.
Mas agora ‘tá tudo caindo , a tal da privada, coitada. Abandonada, meia
torta, necessita urgentemente de reparos, caso contrário vai virar ninho
de cobras, ou despencar de vez.
– Arranjei essa madeira ali na casa Mainho, óh, restos de uma obra.
Agora vou subir para fazer o serviço...
Dia desses, era uma quinta-feira, com seu Avaí aplicando dois a zero sobre
o Palmeiras, líder do campeonato – lá mesmo em São Paulo -, empolgadíssimo
com o resultado, já “mamado”, olhos vermelhos de tanto “cafezinho”,
gritava, melhor,dizendo, urrava - mais parecendo um berrante com
auto-falante - para o lado de lá do canal, fazendo tremer até as árvores.
Botava as mãos em corneta e explodia... . AVAEEEEEEEEEEEEEEEHHHHH....dava
até um arrepio o vozeirão.
Pobres garças que se recolhiam num ninhal próximo para o merecido descanso
noturno, sem entender nada d’aquilo , voavam em disparada, plena onze horas
da noite.
E lá vai o Alemão arrumar a privada da Vó. Longilíneo, tábuas desarranjadas
nas costas, atravessando lentamente a ponte, bermuda caindo, mostrava
parte da cueca e da bunda branca.
Figuraço..
Tem cada peça rara na Barra.
Outro dia conto pra vocês do tio Vâno...
Rui Cesar Bittencourt
Barra da Lagoa, em Florianópolis, é um local bastante interessante. Com
muito de suas características ainda preservadas, é única. Comunidade
pesqueira das mais produtivas, abastece o ano inteiro nosso mercado com
tainhas, enchovas e corvinas. Tem personalidade e vida próprias.
Conheço nativos que conseguem passar meses, às vezes um ano inteiro sem
sequer ir ao centro... - não “carece”...lá tem tudo, dizem eles. Quando
vão é para consultar com os “Doutori”...!!!
Com seu vai e vem ininterrupto dos barcos de pesca, linguajar próprio, fruto
de seu “fechamento cultural”, ali mantém-se vivo
o sotaque carregado açoriano-manezes.
Tem “causos” e personalidades-peças-raras que são hilários.
O Alemão grandão é um deles.
Numa dessas sextas-feiras, de passagem por lá, vejo meu amigo subindo a
rampa de acesso à ponte ex-pênsil – que agora não balança mais - depois
de reformada e tornada rígida pelo Prefeito “Daro ”.
Todo compenetrado, carregava umas tábuas nas costas, atravessadas,
incômodas, uma viga, ou barrete, na frente, caminhando com dificuldade.
- Vais construir o quê Alemão, com esse madeirame todo? ...perguntei
brincando.
- Meio encurvado pelo peso, sacana do jeito que é, prontamente responde:
- é pra reformar a privada da minha Vó, relíquia da família, lá em cima
do morro.
Era verdade.
O cara é uma peça raríssima. Comprido, quase dois metros de altura, de tão
alto e desengonçado, é até um pouco corcunda, seguramente de tanto olhar
para baixo para conversar com as pessoas. Só vendo o tipo, legítima
encarnação do manézinho típico da Ilha.
Somos amigos há uns bons anos. Para terem uma idéia, eu meço um metro e
oitenta e para falar com ele tenho que olhar pra cima...!
De sorriso fácil, fala grossa, olhos grandes e “arregalados”, carrega
vários colares no pescoço e pulsos, com bolas grandes e pequenas de madeira,
como adornos e proteção. Entre os colares pendurados um deles ostenta
miçangas coloridas, azuis e brancas, não meras coincidências, pois
irremediavelmente circula pela Barra quase que com o uniforme completo do
Avaí, fanaticamente seu time do coração. Está sempre vestindo a camiseta
oficial por fora das calças ou bermuda e boné azuis, com o símbolo do
Leão.
Faz um misto de “girafa” (pela altura) com pai-de santo-avaiano, pelos
tantos penduricalhos, cores e excentricidade exibidos.
Perguntei como é que ele faz para tomar banho, com
todos aqueles badulaques ?
- Alguns eu tiro, outros não…nuuuunnnnca do pescoço: - são “muito fortes”,
dizia ele...!!! Pelo boné já me ofereceram uma grana, mas nem pensar em
vender.
“Bafinho” de cana no ar, fechando os olhos enquanto falava, seu costume,
me explicava que a privada, lá no alto do morro... - é antiga pra caramba.
- Foi lá que minha Vó “rezou” durante toda sua vida...e a família
inteira, por muitos anos, também lá sentou pra fazer suas “oraçõezinhas” de
manhã cedo....!!! E ria, com uma baita cara de sem-vergonha.
- O neguinho baixava as calças e sentava no trono de madeira, com vista
panorâmica por entre as largas frestas das tábuas, obrando e apreciando o
mar distante lá de cima, com aquele ar puro; um privilégio para poucos.
– ‘Tá chegando o bote do fulano, saindo o do beltrano... aquele ‘tá
carregado, afundado pelo peso, o outro não matou nada....
- Ôhh Rui, escuta aqui óh – e se inclinava para falar comigo - vou te
confessar uma coisa que poucos sabem: - muita revista de “mulhé” pelada eu
levei lá pra trás....e ria o safado..!!!
- Agora, te digo, com o ventão nordeste de inverno, que pega de frente no
barraco, imagina, chegava a congelar o rabo do neguinho. Tinha que ser
ligeiro no ato...!!! Era vapt-vupt e cair fora.
- Rui, Rui, me pegando pelo braço.: - a véinha, que Deus a tenha, gemia,
gemia... mas não desistia...!!!. E dá-lhe gargalhadas.
Eu também, nessas alturas.
Mas agora ‘tá tudo caindo , a tal da privada, coitada. Abandonada, meia
torta, necessita urgentemente de reparos, caso contrário vai virar ninho
de cobras, ou despencar de vez.
– Arranjei essa madeira ali na casa Mainho, óh, restos de uma obra.
Agora vou subir para fazer o serviço...
Dia desses, era uma quinta-feira, com seu Avaí aplicando dois a zero sobre
o Palmeiras, líder do campeonato – lá mesmo em São Paulo -, empolgadíssimo
com o resultado, já “mamado”, olhos vermelhos de tanto “cafezinho”,
gritava, melhor,dizendo, urrava - mais parecendo um berrante com
auto-falante - para o lado de lá do canal, fazendo tremer até as árvores.
Botava as mãos em corneta e explodia... . AVAEEEEEEEEEEEEEEEHHHHH....dava
até um arrepio o vozeirão.
Pobres garças que se recolhiam num ninhal próximo para o merecido descanso
noturno, sem entender nada d’aquilo , voavam em disparada, plena onze horas
da noite.
E lá vai o Alemão arrumar a privada da Vó. Longilíneo, tábuas desarranjadas
nas costas, atravessando lentamente a ponte, bermuda caindo, mostrava
parte da cueca e da bunda branca.
Figuraço..
Tem cada peça rara na Barra.
Outro dia conto pra vocês do tio Vâno...
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1º FAÇA: filmes selecionados
De 177 inscritos, foram
selecionados 31 curtas para concorrer a troféus e a R$ 20 mil reais de
premiação em dinheiro no 1º FAÇA - Festival Audiovisual Catarinense, que
ocorre em abril em Lages (de 12 a 14), Blumenau (de 19 a 21) e Florianópolis
(de 26 a 29). São 17 ficções, 9 documentários e 5 animações disputando os
prêmios das quatro categorias, incluindo o Júri Popular.
Florianópolis permanece
como o maior polo produtor, mas é importante destacar que pequenos municípios,
como Irineópolis e Ilha Redonda tiveram filmes selecionados, além de produções
de catarinenses realizadas em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Curitiba
(PR).
Serão contempladas quatro
categorias, cada uma delas com um prêmio de R$ 5.000,00: Melhor Ficção, Melhor
Animação, e Melhor Documentário, eleitos pelo Júri Oficial, e o melhor curta
eleito pelo Júri Popular. A curadoria foi integrada por Fernando Boppré, Guto
Lima e Lucian Chaussard , todos de Santa Catarina e com
reconhecida experiência em cinema.
Embora as inscrições
estivessem abertas para filmes realizados em qualquer período, mais de 80% dos
títulos selecionados foram produzidos nos últimos cinco anos. É importante
observar que o número de inscritos demonstra que o Estado produz um curta por
semana. Mas das produções inscritas há 19 finalizadas entre janeiro e fevereiro
de 2012, o que dá uma média de pelo menos dois curtas por semana feitos no
Estado.
O FAÇA é
uma realização da Exato Segundo Produções Artísticas em parceria com a
Alquimídia.org e da Hemisfério Criativo, responsável pela criação da identidade
visual. O evento tem o Apoio Institucional da Cinemateca Catarinense/ABD-SC,
FUNCINE – Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis, SANTACINE – Sindicato da
Industria do Audiovisual de Santa Catarina, SINTRACINE – Sindicado dos
Trabalhadores do Audiovisual em Santa Catarina, Fundação Catarinense de Cultura
(FCC), Cinema do CIC e Museu da Imagem e do Som (MIS/SC).
O Festival conta ainda com
o apoio da Vantuta Impressões, SESC Santa Catarina, FURB (Fundação Universidade
Regional de Blumenau) e Fundação Cultural de Blumenau, Prefeitura
Municipal de Blumenau e Paradigma Cine Arte. O Governo de Santa Catarina, por
meio da Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte do Estado (SOL) e FUNCULTURAL,
é patrocinador do 1º FAÇA – Festival Audiovisual Catarinense.
Contatos: www.faca.art.br
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GERAÇÃO VIVA
Nas bancas a 6ª edição
de Geração viva, edição de bolso, do
escritor catarinense David Gonçalves.
Vejam o que nos diz o
autor sobre esse livro: “Escrevi estes contos quando jovem. Em geral, os
autores não gostam dos seus primeiros contos. Mas, confesso, estes contos me
engrandecem. Eles focalizam os grandes problemas sociais e econômicos do país
no século XX, precisamente a década de setenta, com o êxodo rural, onde os
trabalhadores rurais foram expulsos dos campos e incharam as periferias das
médias e grandes cidades. Relatei, então, as desigualdades sociais de um país
rico, com todos os desmandos possíveis, muito mais visíveis hoje. Geração viva
é registro de uma situação histórica vivida também no começo do século XXI. É o
retrato doloroso e cruel de uma geração de seres massacrados e explorados pelo
sistema a que estão subordinados. Quis retratar, não somente a chaga agrícola
do Paraná, mas do país. Essa massa de trabalhadores carentes [ os boias-frias,
atualmente denominados sem-terras] e mal alimentados, mas seres humanos que,
apesar da dura e mísera realidade, ainda têm alento para sonhar e amar.
Representa, enfim, uma massa humana que labuta, perambula, sofre e produz. Uma
geração viva.”
São dezessete contos
forjados através de um realismo chocante mas sempre trabalhado de maneira clara
e precisa, comprometida com o social e o humano.
e-mail do autor: david.goncalves@uol.com.br.
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CONFRARIA DO POEMA
(HOMENAGEM A FLORIPA - 286 anos)
As
curvas da Enseada
desdobram
teu todo
em
curvas dos olhos
da
Ilha dos medos.
As
curvas do tempo
encontram
nas alvas
no
mistério do ventre
escorpiões
sem garras.
As
curvas da Enseada
vistas
por sobre o sonho
te
desnudam te orvalham
te
fazem Senhora minha
nesta Desterro alcova.
( PN/Enseada, de Minha
Senhora do Desterro)