quinta-feira, 26 de julho de 2012

EDIÇÃO 38


                        
MUDANÇA
Flávio José Cardozo
Eis aí: depois de tanto aperto, a casa própria. Miudinha, arretiradinha, financiadinha por vinte anos, mas própria. Adeus, aluguel. Adeus, infeliz mudança quase todo ano.
O caminhão já veio. É um caminhão comum, dos pequenos, mas pra que melhor e maior se é tão pouco o que vai ser levado, se é tão curta a viagem do Saco Grande para o Roçado?
- Não vai caber tudo – diz a mulher.
- Dá e sobra – responde o marido.
- Pois tomara que dê.
Começa o carregamento. O marido e o motorista, com a ajuda de um guri da vizinhança, cuidam do mais pesado – guarda-roupa, cama do casal, cama da sogra, armário, fogão, mesa, cadeiras, geladeira. Um trabalhão. Mas um trabalhão gostoso – é a última mudança na vida, se Deus quiser. A mulher arruma as miudezas, entrouxa as roupas, empilha pratos e xícaras. A mãe dela descansa numa espreguiçadeira, convalesce duma zipra na perna.  É uma senhora gorda, que se abana sem cessar, toda encalorada.
- Não vai caber tudo não – insiste a mulher, quando quase todos os trecos grandes foram ajeitados no caminhão.
O homem coça a cabeça, pois de fato o espaço é pouco e ainda faltam alguns objetos de certo porte, como o fogão, o botijão de gás, as cadeiras. Olha as miudezas, olha a sogra imensa e começa a acreditar que vão ter problemas.
Sobem, por fim, os trens que faltam, sobem as roupas, as panelas, os pratos, a gaiola do coleira, as vassouras, os quadros de santos. Sobe até, sem muita discrição, um objeto branco e intrigante, um urinol de propriedade da sogra – intrigante porque até hoje o genro não entende como é que num tal tamanhinho pode se sentar um tal tamanhão. Mas enfim...
Enfim, com mais algumas bugigangas, o caminhão se empanturra de não se agüentar de pé. Nele, nem mais um alfinete. Ou melhor: ainda conseguem encarapitar sobre tudo a espreguiçadeira.
E agora a questão: e eles vão onde? Porque o plano tinha sido este: a sogra, com seus três metros de fundos, ia na frente com o motorista; o casal, na esportiva, lá em cima.
- Eu não disse que não cabia? – fala a mulher, vitoriosa.
- Paciência. Ninguém morre por isso. Tua mãe vai com o motorista. Nós vamos de ônibus.
O quê? A mulher não aceita. Nunca que a mamãe vai sozinha por aí com um desconhecido. Decide ir com ela.
- Mas como? O caminhão vai sem motorista?
A mulher é teimosa. Ajeita a mãe, acomoda-se em cima duma perna dela, obriga o motorista a ficar na pontinha do banco – um perigo. Mas deu. Parece que deu.
O homem fica olhando o caminhão se indo, meio de banda. Está feliz, ri sozinho: nunca pensou que tivesse tanto na vida.

(Do livro Uns papéis que voam)
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O REINO DOS ESQUECIDOS

Este é o novo romance do escritor MIRO MORAIS, autor de dois sucessos de mídia e de venda no país e no exterior, A coroa no reino das possibilidades e Cândido assassino, a ser lançado ainda este ano pela editora Insular.

O romance está estruturado em oito capítulos que sobrevivem por si só mas são costurados pela história do Barão de Vinhedo, Dom Manoel Manso, personagem central. São eles: Início da aventura; Rumo ao desconhecido; A construção dos sonhos; Um novo olhar; Origem de Mariano Paixão; O amor de Fábio Paixão; O reino ameaçado e Início final.
Dom Manoel manso, um fidalgo muito próximo ao Imperador, por razões misteriosas, abandona a corte no Rio de Janeiro e se lança à aventura de criar no Sul do Brasil um povoado onde as pessoas possam ser felizes. Para realizar o seu sonho não lhe basta dominar a natureza hostil e fascinante e aprender a conviver com ela. O seu projeto entra em conflito com as crenças e as regras, a ordem e a desordem e o Poder que reina sobre tudo e todos. E isso se transforma em mais uma ameaça para o seu plano e a sua vida.

Mas a determinação de Manoel Manso não tem fronteiras. Aos poucos ele atrai para sua idéia, vista como visionária, sobretudo, os que nada tinham. Nem bens materiais nem esperanças. E, logo, também os ambiciosos de riqueza e poder. E tudo vai se transformando em um universo com alma própria.

Pequenos e grandes heróis expõem suas paixões, seus ódios, seus amores, a traição e a solidão, suas esperanças, tristezas e alegrias. As suas múltiplas histórias se entrelaçam – em capítulos que se auto justificam – dentro de um enredo maior, onde convivem os aventureiros e os acomodados; os santos e os assassinos.

Para Dom Manoel Manso o ser humano é o seu santo e o seu demônio. E, dentro dele, perde o que ele conseguir mais fragilizar. E é esse desafio da liberdade que ele próprio, cada um dos moradores do lugar que fundou e o país se deparam todos os dias, todos os momentos, que o desencanta e fascina.

Só para lembrar, Miro Morais, um dos grandes nomes da literatura catarinense e brasileira concorre à cadeira número 20 da Academia Catarinense de Letras.

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11ª MOSTRA DE CINEMA INFANTIL

O Fim do Recreio, de Vinicius Mazzon e Nélio Spréa, do Paraná, é o grande vencedor da 11ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. O curta foi escolhido pelo Júri Oficial e pelo voto do público infantil. Disque Quilombola, de David Reeks, de São Paulo, ganhou Menção Honrosa do Júri. Cada um dos filmes recebe um Prêmio Aquisição no valor de R$ 10 mil da TV Brasil. O Destaque Especial do Júri foi para o curta Rap Consciente, realizado por alunos da Escola Amenóphis de Assis, do Espírito Santo. O anúncio dos vencedores vai ser realizado na tarde deste domingo, às 16h, antes do show Cante com o Peixonauta no Teatro Pedro Ivo, no encerramento da Mostra.

O Júri Oficial foi integrado pelo diretor da série de animação infantil Meu AmigãoZão, Andrés Lieban, pela produtora Patricia Alves Dias e pela cineasta Patricia Monegatto. Eles justificam a escolha do curta O Fim do Recreio “pela sua inventiva construção narrativa que valoriza com humor, delicadeza e sensibilidade o ponto de vista da criança, protagonizando seus próprios dramas, sem perder a sua natureza espontânea”. No filme, crianças de uma escola se unem para mudar um projeto de lei que pretende acabar com o recreio escolar.

Sobre a Menção Honrosa concedida a Disque Quilombola, os jurados argumentam que documentários são comumente realizados sobre crianças e não para crianças. No caso deste curta, avaliam, é possível cumprir a dupla façanha de fazer documentário sobre crianças, afirmando seus espaços, e revelando para outras crianças seus próprios mundos, usando a linguagem universal da brincadeira. “O filme é uma obra política, um olhar etnográfico apurado que dialoga com os mundos adulto e infantil do nosso vasto país”, escrevem os jurados na justificativa do voto.

O destaque para o Rap Consciente é uma referência especial pela relevância do crescimento quantitativo e qualitativo de conteúdos audiovisuais realizados por crianças e jovens. Na edição da Mostra deste ano, concorreram 88 produções de todo o Brasil, que foram exibidos ao longo de 17 dias de programação.

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SAUDADE

Quando chegares, saudade,
No desdobrar da vida,
- nem vivida –
Eu te divisarei, lá longe,
No barco parado, sem vela,
Boiando no mar sem verão
- nem procela –
Parado em ti.

Quando chegares, saudade,
Na noite amanhecida,
- nem dormida –
Eu te avisarei, de longe,
E abrirei os braços, no abraço
Da coisa conhecida
- e já perdida –
No meu entardecer.
(Mila Ramos, Sete Sumos, Ed. Sanfona, 1985)




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PALÍNDROMO: VOCÊ SABIA? 


Um 
palíndromo é uma palavra ou um número que se lê da mesma maneira nos dois sentidos, normalmente, da esquerda para a direita e ao contrário.
Exemplos: OVO, OSSO, RADAR. O mesmo se aplica às frases, embora a coincidência  seja tanto mais difícil de conseguir quanto maior a frase; é o caso do conhecido: 

SOCORRAM-ME, SUBI NO ONIBUS EM MARROCOS.
Diante do interesse pelo assunto (confesse, já leu a frase ao contrário), seguem alguns dos melhores palíndromos da nossa língua:
 
ANOTARAM A DATA DA MARATONA
ASSIM A AIA IA A MISSA
A DIVA EM ARGEL ALEGRA-ME A VIDA
A DROGA DA GORDA 
A MALA NADA NA LAMA
A TORRE DA DERROTA
LUZA ROCELINA, A NAMORADA DO MANUEL, LEU NA MODA DA ROMANA: ANIL É COR AZUL 
O CÉU SUECO
O GALO AMA O LAGO
O LOBO AMA O BOLO
O ROMANO ACATA AMORES A DAMAS AMADAS E ROMA ATACA O NAMORO 
RIR, O BREVE VERBO RIR
A CARA RAJADA DA JARARACA
SAIRAM O TIO E OITO MARIAS
 
ZÉ DE LIMA RUA LAURA MIL E DEZ

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NOVÍSSIMOS (Escritores)

Em tempos passados, acelerava os passos, gastava quase o dobro do tempo acreditando numa saborosa ingenuidade.
Mas nada era verdade!
O tempo foi passando e meus dias foram se arrastando, mas ainda podia sentir que algo no âmago ia se transmutando.
Ainda podia querer!
Sentia que a vida dilacerava minhas visões, não conseguia encontrar vias na dita dilaceração.
Em tempos passados, acreditava ter encontrado a base de tudo que se me fazia amargo.
Acordava em desespero danado!
Buscava conforto na crença de algo intocável, algum sentido favorável, mas era em tempos já passados.
Já não podia mais saber!
Não sabia do que precisava, não sabia dizer, gritar, pedir, objetivar nem ao menos queria crer.
Mirava a foto de alguém que podia me entender, mas isso também não era verdade. Não queria mais crer.
Agora, passo pelo tempo com o mesmo prazer de outrora, já não corro nem grito, agora sei o que fazer:
Esquecer!

(Tempos passados/Mirkin-2010)

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CONFRARIA DO POEMA (PN)

Teu olhar
- vôo de gaivota –
meu guia.
Solto,
navega em teu seio
meu fantasma: solidão.
Flor primária
ou
botão último
                      de outono?
Teu beijo
- sal de rio –
esconde o concreto
de tênue relação.

 (Fugaz relação, Ciclo dos Olhos, p. 21)