quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Edição 44








PAPO NA CONFRARIA: SILVEIRA DE SOUZA(*)
           

1-    O que te motivou a escrever?

--  O interesse pela literatura e a motivação para escrever foi insuflada por meu pai. Lembro que lá pelos meus 7 ou 8 anos de idade, quando eu já havia aprendido a ler com minha mãe, ele, meu pai, ao receber o seu salário de funcionário público, trazia mensalmente braçadas de livros e revistas para todo o pessoal da casa, ou seja, para ele próprio, minha mãe , minhas duas irmãs e para mim.  Narrativas e contos de gente como, por exemplo, Monteiro Lobato e Hans Christian Andersen tiveram grande influência na minha formação literária.

2-    Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

 -- Vou citar somente os de escritores brasileiros:
       a) Memórias Póstumas de Braz Cubas, de Machado de Assis;
       b) Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa;
       c) Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

3- Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:
a)    Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)
 -- Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato;
b)   Alunos do Ensino Médio
--  Zélica e outros, de Flávio José Cardozo
c)    Alunos do Ensino Superior
--  A superfície, de Ricardo Hoffmann

3-    Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

No início surge, na mente, algo que nem é uma estória. É um evento, ou uma figura humana. Não sei o que eles significam, mas sei que eles incomodam, vão e veem, na mente. Chega um momento em que acho que essas coisas precisam ser jogadas pra fora da mente. É quando eu tento recriá-las sobre uma folha de papel, ou na tela de um computador. Essa é a parte pior. É a pendenga da racionalidade com as forças do inconsciente. É o embate do Dragão da Maldade contra o Anjo Guerreiro.



4-    Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

--  Acho que todo apoio dispensado à literatura ou às atividades culturais da comunidade deveria ser prioritário em qualquer administração publica inteligente. Mas também acho que alguém que realmente deseja fazer literatura ou arte não deve preocupar-se com isso. Arte e literatura são coisas vitais. Você não pode deixar de fazê-las somente porque, por acaso, está cercado por uma classe política formada de burocratas despreparados.

5. Fale sobre o papel das Academias de Letras em relação à língua e à literatura.

 Se as Academias de Letras pudessem funcionar como fontes de consulta organizadas e confiáveis a propósito de livros e documentos fundamentais da história cultural de seus respectivos estados, creio que já estariam prestando um serviço inestimável às comunidades as quais pertencem.

(*) João Paulo Silveira de Souza é Membro da Academia Catarinense de Letras, Cadeira nº. 33

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LITERATURA INFANTO JUVENIL  EM SANTA CATARINA

Em dezembro do ano passado, Terezinha Kuh Junks, esposa do saudoso professor e escritor Lauro Junkes, ex presidente da Academia Catarinense de Letras, organizou e lançou um dos vários trabalhos deixados por esse incansável estudioso de nossa literatura, com sua  morte.
Trata-se do primeiro de cinco volumes de pesquisa deixada por Lauro, praticamente concluída, que trará ainda: contos e crônicas, novela, romance e poesia.
Segundo Júlio de Queiroz, no texto O afã incansável, que acredito esteja no livro à guisa de prefácio, “À medida que, no decorrer das últimas décadas, a literatura infantil ampliava-se em facetados aspectos, Lauro Junkes, como um colecionador reunindo seus achados, lia a obra, elaborava suas considerações e as entregava ao seu riquíssimo baú eletrônico.
Legítimo herdeiro intelectual dos copistas medievais, como aqueles, não o fustigava a necessidade premente de trazer a público seu nome como crítico de também essa especialidade.”
Para Maria de Lourdes Ramos Krieger, escritora e colega de Lauro na UFSC, enquanto professores, e que apresenta o volume, “a literatura infantojuvenil também mereceu de Lauro Junkes uma reflexão crítica. Ele mostrou que a identidade catarinense se encontra não apenas na literatura dita para adultos, mas igualmente na linguagem e no estilo dos textos voltados – por sua extensão e tema – para criança e jovens.”
“Ele sabia da importância da leitura para a formação do leitor, a partir do ambiente escolar, razão por que visitava escolas, geralmente acompanhado de outros membros da Academia: conversava, dialogava com professores e alunos, a respeito da necessidade do livro, da literatura na e para a sociedade e para o próprio indivíduo. (Ele sabia também que, infelizmente, por questões financeiras ou descaso, no ambiente doméstico o acesso aos livros nem sempre é facilitado). Abordava as obras dos autores nascidos em Santa Catarina ou aqui estabelecidos, lembrando que um livro é bom por suas qualidades literárias – quando, aliado a isso, for de autor da terra, merecia/merece maior apoio e divulgação.”
São mais de trezentas páginas de pesquisa, trabalho árduo e resultado significativo para o conhecimento e divulgação dessa área (infantojuvenil) que torna a produção literária de Santa Catarina ainda mais consistente e importante, na totalidade da literatura de nosso país.   



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CICATRIZES (Clau Assi **)



Ferido peito
sangra a alma
restam apenas cicatrizes
desenhadas na alma
efeito concreto da dor
estilhaço,
lamento,
algoz que relembra
tecido marcado
carne infligida,
tatuagem inacabada.
intrépida passagem do tempo
que a tudo leva
e à face traz lágrimas
envidraça o sorriso
feito faca de fino corte
abre ferida no peito.



(**direto de sua página no face, fev.2013)


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NEM SEMPRE FREUD EXPLICA (Olsen Jr.)


   Estou no consultório odontológico esperando a minha vez. Procuro ler alguma coisa (qualquer coisa) para aliviar a tensão. Pego uma revista “Status” (remake)... Na década de 1970 uma publicação com este nome era o melhor que se tinha para a satisfação do público masculino. Guardo um exemplar temático (só Drinks) daquela época. Agora, a edição que tenho em mãos é uma pálida evocação do que a memória ainda retém.
   Não deveria ter mais “certas” preocupações, mas tenho... Vejo a senhora que sai do gabinete, caminha lentamente em minha direção... Afirmo para descontrair “não doeu nada, certo?”... Ela parece surpresa com a minha observação, afinal tudo ali é asséptico e sério... “Não, meu filho, não doeu”...
   Digo para ela que certos “traumas” ou “má vontade” se preferir, com algumas situações a gente leva da infância e não muda mais... A ela junta-se a atendente e ficam me ouvindo... Continuo, “dentista, cortar cabelo e comprar roupas sempre foram questões a serem resolvidas para mim”. O primeiro por não suportar o ruído que a broca faz (e a gente não vê o que ela está fazendo), o segundo porque nunca me deixaram ter o cabelo comprido na época em que isso era moda (na década de 1960 quando os Beatles mandavam na música pop) e por último, se antes era porque a minha mãe escolhia o que iria vestir, agora simplesmente porque não suporto a constatação sempre quando me vejo num provador de que preciso perder peso, e todo o drama continua...”
   A mulher e a recepcionista começam a rir e naquele momento esqueço que sou o próximo a ser atendido. Ela concorda comigo e lembra que na sua infância a broca nos consultórios era acionada por pedais e claro, dependia das flutuações da energia do dentista despendidas no ato... Penso que as alterações de rotação da dita cuja deveriam provocar “dores” de intensidades variadas em curto espaço de tempo... E, “quanto aos provadores, acrescentou ela, tenho verdadeiro pavor... Menos porque não goste de comprar roupas, porque gosto, mas não sou compulsiva como uma amiga que já deve ter perdido a conta de quantos sapatos tem em casa”...
   Intervenho e afirmo que deve ser algo no componente genético das mulheres porque não conheço uma que não goste de sapatos...
   Ela assente com a cabeça e continua a história afirmando que sua amiga teve de ir a uma festa e comprou uma sandália para combinar com a roupa... Quando já em casa foi procurar a peça descobriu que tinha guardada outra sandália, da mesma cor e modelo... Mas eu estava falando dos provadores, porque os detesto... Algum tempo atrás fui provar uma roupa... Estava lá dentro me preparando para vestir a roupa que pretendia comprar quando escorreguei e tentei me apoiar no que eu pensava ser uma parede daquela cabine... Para minha surpresa, levei um susto, eram apenas cortinas dispostas em “U” e caí de costas no provador ao lado... Naquele momento havia um homem só de cuecas que iria também vestir alguma roupa... Caí por cima dele e foi um “Deus nos acuda!”...
   Aí foi a minha vez de juntar-me as gargalhadas da recepcionista... A mulher pareceu não se abalar, disse já ter superado o “trauma”, mas não esquecia o caso... Alguém avisou que o motorista dela já estava esperando e ela saiu, não sem antes abraçar a secretária e a atendente do gabinete... Depois olhou para mim e afirmou “não se preocupe, meu filho, não vai doer nada!” 
   Agradeci aquele conforto moral e depois que ela saiu fiquei imaginando que nada é melhor que o bom humor para encorajar um homem recalcitrante (sem nenhuma vocação para herói) num gabinete de dentista!

  

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CONFRARIA DO POEMA-pn
I
Entre os dedos
Reconduzo versos
Do fundo d’alma
Garimpo poemas.

II

Vejo poemas
Sem olhos teus
Teço poemas
Com os de outrem.

(Nano ensaios poéticos, Pinheiro Neto/2012)