quarta-feira, 31 de julho de 2013

Edição nº. 49




PAPO NA CONFRARIA: Artêmio Zanon

1– O que te motivou a escrever?

Provavelmente foi uma consequência do ato de ler: livros na pequena estante na escola do interior do Estado de Santa Catarina, na pequena localidade de Santa Lúcia, Município de Videira. Às sextas-feiras, após a última aula, quem quisesse, havendo disponíveis, podia levar um livro para casa e devolvê-lo no início da aula, na segunda-feira... E contar o que se leu para a professora. Depois, no ginásio (e naquele tempo, além da cartilha, e dos quatro anos do primário, havia o exame de admissão ao ginásio), entre meus doze e quinze anos, período das quatro séries, o fantástico encontro com a monumental obra Tesouro da Juventude (Reunião de conhecimentos essenciais, oferecidos em forma adequada ao proveito e entretenimento das crianças e adolescentes), em dezoito volumes (sendo o primeiro do ano de 1952 e o último de 1954), e eu concluí o ginásio em 1955. Essa preciosa obra, há poucos anos, consegui adquiri-la em um sebo. Foi também nessa obra, além da coletânea Anthologia Nacional de Fausto Barreto e Carlos de Laet, e outras coletâneas de caráter didático, que conheci os meus Poetas, passando a escrever versos, feito um Gonçalves Dias, um Casimiro de Abreu, um Castro Alves, um Fagundes Varela, um Olavo Bilac, entre outros. E hoje, o poetinha de então... há muitos anos, com mais de trinta livros de poemas, só (sobre)vive em função do ler e do escrever, como reconhece o Acadêmico Celstino Sachet.

2– Cite os três livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

Um livro em setenta e dois: a Bíblia (nela, o universo da realidade e da fantasia humanas, até hoje, ainda que com as mudanças da evolução do homo faber sapiens), é a grande fonte de efetiva significância de leitura em minha vida. Os outros, autores e livros, com raríssimas exceções, somos todos perecíveis, limitados, passageiros, quase sempre produtos e frutos de momentos e interesses.

3– Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:

a)      Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)
b)      Alunos do Ensino Médio
c)      Alunos do Ensino Superior

Permita-me enveredar na omissão. Como tenho certeza de que ninguém citará qualquer obra das minhas para esses “graus de ensino”, não avalizo nenhum (e tenho verdadeiro horror dessas obras literárias didáticas da atualidade...).

4– Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Nos, não mais do que dez por cento de “inspiração”, mais do que noventa por cento
são de obstinação: procuro ser severo para comigo mesmo: a palavra adequada, a lógica, o bom-senso, a paciência necessária em dar um texto como “definitivo”, jamais a pressa em “produzir” e imediatamente publicar. Alguns de meus livros dados a lume, nos últimos dez anos, são frutos de minha juventude e idade adulta (estou na véspera de 73 anos).

5– Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à Literatura.

Outrora, pela legislação de “incentivo”, quando um Escritor tinha uma obra “aprovada”, e  lhe era dado um “Certificado” autorizando a captação de recursos, penso que a “coisa” funcionava. Quanto ao atual “apoio dispensado pelo setor público”, tenho minhas desconfianças e restrições. Quanto ao setor privado, há que se ter apadrinhamento.

6– Fale sobre o papel das Academias  de Letras em relação à Língua e à Literatura?

Tanto em “Academias de Letras”, quanto em “Associações Literárias”, a “Língua” se vê muito ferida, e quanto “à Literatura”, em todas as entidades literárias, com todo o respeito ao ego do fazer literário de cada um, existem verdadeiros “analfabetos”.

(*) Ocupante da Cadeira 37 da Academia Catarinense de Letras.
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X


UM HOMEM SÉRIO

Agora estou na esquina da rua Lauro Muller com a Cel. Colaço. Vejo o prédio novo que levantaram aí e lembro-me com saudade da casa em que meu pai tinha loja no mesmo local. Foi aí que eu um dia vi entrar um caboclo e dizer para o meu pai:
- Seu João, eu me confessei e comunguei hoje, e não quero ficar com esse peso na consciência.
E, entregando uma cédula de cem mil réis para o velho:
- Este dinheiro o senhor me deu demais há dois anos passados, no troco dum pagamento que lhe fiz. É seu, guarde-o.
Quando o homem saiu meu pai me disse:
- Ainda existem homens sérios no mundo!


(Nereu Corrêa, Sete Saudades [Texto publicado no “Anuário Catarinense” de 1949], Edições Sanfona, Floripa, 1985)

X-X-X-X-X-X-X-X-X-X



MEDUSAS (*)
1

fêmeo efêmero jasmim
perfuma o luar do brejo
beira de praia inconclusa
na vinda da maré tardia
lívida onda transluzindo
azul no cristal da medusa

3

casas vesgas e coxas
ninho de vespas e musgos
onde se acolhem cochichos
comadres de roupas escuras
meninos de olhos ariscos
piscando gatos mouriscos

(Hugo Mund Jr., Edições Sanfona, Floripa, 1985)  



x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x


LI E RECOMENDO (3)

Uma confraria de tolos, escrito por  John Kennedy Toole, com prefácio de Walker Percy e tradução de Alice Xavier,  foi editado pela BestBolso do Rio de Janeiro em 2012. Livro ganhador do Prêmio Pulitzer de ficção em 1981, teve mais de um milhão de exemplares vendidos e foi traduzido para mais dezoito idiomas.

Trata-se da história de Ignatius J. Reilly, intelectual glutão, preguiçoso, egocêntrico e desagradável; um herói solitário em sua cruzada contra a modernidade. Como um Dom Quixote do século XX, Ignatius desbrava as ruas de Nova Orleans dos anos 1960 e enfrenta todo o tipo de tolos, malandros, aproveitadores e policiais desonestos. Por insistência da mãe, busca um emprego, mas cada uma de suas tentativas o leva a uma sucessão de desventuras.

John Kennedy Toole (1937-1969) nasceu em Nova Orleans. Formou-se em Inglês na Columbia University e lecionou no Hunter College e na University of Southwestern Lousiana. Toole escreveu Uma confraria de tolos no início dos anos 1960, mas não teve sucesso nas diversas tentativas de publicar seu romance. Deprimido, cometeu suicídio. Foi por insistência de sua mãe, que acreditava no talento do filho, que este livro alcançou o sucesso merecido.

Segundo Walker Percy, ( a quem a mãe do autor entregou os originais que, na verdade,  “consistia em uma cópia a carbono tão borrada que era quase ilegível”) É realmente uma pena que John Kennedy Toole não esteja vivo e escrevendo. Mas, já que não está, só nos resta fazer o possível para que esta pantagruélica e tumultuada tragicomédia humana esteja ao alcance de um mundo de leitores.

x-x-x-x-x-x-x-x-x

REGISTRO

VAIA

Recebi o número 33 de do jornal Vaia, de Porto Alegre que tem como Editor Fernando Ramos e Diagramação de Marcos Marques. Destaque para a programação da 6ª. Festa Literária de Porto Alegre – FestiPoa, para a entrevista com Cristóvão Tezza e para o Concurso Literário Contista Estreante. www.jornalvaia.com.br – jornalvaia@gmail.com

O NHEÇUANO

O número 14 do jornal de Roque Gonzales, e editado por Marcos Marques chega às minhas mãos juntamente com Vaia. Um jornal cultural que dá conta das questões do povo Guarani, de livros, de literatura, de poemas e de notícias. Um jornal que sempre mantém aberto um canal para a divulgação de escritores catarinenses, principalmente através dos escritores Inês e Nelson Hoffmann (o primeiro, um amigo que guardo do lado esquerdo do peito).  (...) Nheçu, líder indígena Guarani, defensor de seu povo, sua cultura e sua terra, pioneiro na resistência aos conquistadores, no século XVII, na atual região das Missões, RS(...)

O TRINTA RÉIS

Recebi e agradeço o Boletim Informativo nº. 68, referente aos meses de abril e maio, da Academia São José de Letras, entidade presidida pelo escritor Artêmio Zanon.

POEMAS À FLOR DA PELE

A dinâmica escritora Soninha Porto (de Porto Alegre), presidente da Associação Cultural Poemas à Flor da Pele prepara uma festa ímpar para a comemoração dos 7 anos de existência do movimento. A programação contará com edição de nova coletânea reunindo escritores do Brasil e do exterior, passando pela estruturação da entidade, por lançamentos na Feira do Livro de Porto Alegre, em São Paulo e em outras cidades e culminando com um evento lítero-artístico-cultural na capital gaúcha.


GALERIA TÁTIL
 
Um espaço aonde todos poderão vivenciar a experiência tátil. Desfrutar as obras de arte não só com o olhar mas com o tato também, sentir a obra.
Artistas: Mauricio Muniz, Philippe Arruda, Vinícius Ávila, C. Ronald (C.Carlos Ronald Schmidt), Anderson Rodrigues, Ricardo Barddal e Juliana Hoffmann.





x-x-x-x-x-x-x-x-x

CONFRARIA DO POEMA-pn


Além daquela janela
está o mar:
mar de maresia
mar de Maria.
É nele que me integro
que me misturo
e me entrego
buscando teu corpo.

Além daquela janela
Posso amar:
sem me negar
sem esconder
sem hesitar.

Além daquela janela
eu sou:
como cativo liberto
como liberto cativo.


 (Cativeiro, Pinheiro Neto, Chrischelle,1979)






terça-feira, 2 de julho de 2013

Edição nº. 48



PAPO NA CONFRARIA: Júlio de Queiroz


1- O que te motivou a escrever?

A leitura constante, documentalmente comprovadamente  me ter sido     ensinada por meu pai quando eu tinha três anos de idade.

2- Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

Histórias de nossa terra/ Júlia Lopes de Almeida;Kim/Rudyard Kipling/ No Turquestão bravia/ Karl May.

3- Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de: a) Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries), b) Alunos do Ensino Médio, c) Alunos do Ensino Superior.

a) Aventuras de Pedrinho/ Monteiro Lobato
b) O  escâdalo do petróleo/ Monteiro Lobato
c) Vidas ilustres/Hendrik van Loon.

4- Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Metodicamente, às tardes.  Os cortes e remendos acontecem a qualquer             
hora.

5- Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

Em verdade, é irrisório. O que importa a ambos é o fogo de artifício                 sem substância. Tudo começa quando alunos do curso primário (apelidado de fundamental) não podem ser reprovados. O médio é quase que só o aprendizado de truques e jeitinhos para os exames vestibulares. O do 3º grau não conseguem sequer exigir um emprego gramatical decente. Além disto, os poderosíssimos meios de comunicação atuais não dependem da palavra escrita e sim da verbalização oral pobre e imediata.

6- Fale sobre o papel das Academias  de Letras em relação à Língua e à Literatura?


As academias de letras deveriam ter como primordial cuidar da língua nacional. Escondem–se em torres de marfim. Não vejo nenhuma delas com coragem para denunciar a traição coletiva das “mídia” falada e escrita, que consideram indispensáveis salpicar palavras do inglês americano a torto e direito. Há milhares de exemplos de deformação da expressão brasileira, além de assassinarem o vocabulário nacional.  Nossos meios de comunicação passaram a desconhecer as palavras “para”, “informação”, “qualificar”, “ramo” e milhares de outras ou mal-traduzidas ou implantadas a força, como se a o português brasileiro seja incapaz de criar neologismos. A última estupidez generalizada é o emprego do verbo “perseguir” como se significasse “buscar” ou o erudito “almejar”. “Perseguir um ideal, um alvo” Só não é cômico, porque é trágico.

(*) Ocupante da Cadeira 10 da Academia Catarinense de Letras.

x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-
O GATO É SELECIONADO PARA FESTIVAL

O curta-metragem O Gato, realizado na 1ª Oficina de Introdução à Prática Audiovisual: do desenvolvimento à produção, promovida em parceria pela Novelo Filmes e Fundo Municipal de Cinema (Funcine), foi selecionado para a mostra competitiva do Festival CinemadaMare, que ocorre de 25 de junho a 7 de setembro por 10 cidades italianas. 
Com direção de Juliana Bassetti e produção de Neca Gamarra, O Gato é uma adaptação do conto homônimo de Christiano Scheiner, autor também do roteiro. Com duração de 11 minutos, a narrativa mostra a mudança na rotina de um executivo e sua secretária depois que ele encontra um gato morto em cima da mesa do escritório. O animal passa a estimular comportamentos inusitados em ambos, trazendo à tona seus desejos mais obscuros.
O Gato venceu um processo seletivo no formato pitching na útlima etapa da oficina, que teve o amparo da produtora Onda Sonora e da Cinesuport. A realização do curta contou com o apoio da Loja Varal, Tucano House Backpacker, Loja do Guarda Pó e Banca Catedral. A oficina foi realizada na sala de cinema da Fundação Cultural Badesc, onde também ocorreu a pré-estreia.
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x 


SEDA

Sinto-me, muitas vezes,
como se fosse
uma peça de seda
tão suave... e macia
enrolada no teu corpo
deslizando feito cobra
mas é teu o meu veneno.

Seda fina vai rasgando
nos teus bruscos movimentos
és sedento
tua calma é aparente
tens fúria apaixonada
desfiando a seda
em franjas.
Agora, restam-me os remendos.

(Telma Lúcia Faria, Anjo Solidão, Ed. Secco, Floripa, 2007)

x-x-x-x-x-x-x-x-x

BESTIÁRIO MEYER FILHO

Uma pequena mostra da obra do nosso inesquecível Ernesto Meyer Filho pode ser revista e lembrada no prédio situado na Praça XV, esquina com a Rua Tiradentes, numa promoção da Fundação Franklin Cascaes.

Natural de Itajaí, onde nasceu em 1919, Meyer Filho – autodidata  -  ainda  adolescente viu despontar sua arte primitiva e surrealista. Místico, se auto-intitulava “Cidadão Honorário de Marte”, que afirmava haver visitado 20 vezes. Reforçando esse misticismo, ele morreu em 1991 – ano que traz os mesmos números do ano de seu  nascimento.

A curadora  do Memorial Meyer Filho, Kamila Nunes , organizou uma galeria interessante exibindo o “Bestiário” onde estão espalhadas telas com seres humanos acoplados ao fantástico imaginário do  artista na forma de animais, especialmente galináceos.

Na exposição existe uma tela muito curiosa onde o autor, em letra manuscrita, desabafa sua situação de precursor da arte surrealista nos três estados sulinos, sem contar com apoio algum ou qualquer reconhecimento.
Meyer Filho é figura de suma importância na História da cultura catarinense tendo expandido sua obra para outros pontos do País e até ao exterior.

(Ivonita Di Concílio/2013)


x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x


A PRENDA

Sacode o manto de ervas
a fada do outono.
Encrespa o vento, as madeixas
da sua cabeleira.
A harpa em sintonia
desafia novos prelúdios...

Estende o seu bastão
a fada enternecida.
Estampa de flor e folha
no algodão prá tecido.
A natureza é uma prenda
trocando de vestido.

(Gladis Deble, Poemas à Flor da Pele, vol. 4, p.148, 2011) 


LI E RECOMENDO (2)

Triângulo rosa: um homossexual no campo de concentração nazista, escrito por Jean-Luc Schwab, traduzido por Angela Cristina Salgueiro Marques e editado pela Mescla Editorial em 2011 é antes de qualquer coisa o relato do depoimento de Rudolf Brazda, complementado com profunda pesquisa histórica realizada pelo autor.
“Da ascensão do nazismo na Alemanha à invasão da Tchecoslováquia, da despreocupação no início dos anos 1930 ao horror do campo de concentração de Buchenwald, esta obra revela em detalhe, pela primeira vez, as investigações policiais que visaram inúmeros homossexuais no Estado nazista. Também aborda, com tato e sem tabu, a questão da sexualidade num campo de concentração.”
O livro conta a história de Rudolf Brazda, nascido na Alemanha em 1913 de pais tchecos,  condenado duas vezes pelo regime nazista por ser homossexual e depois deportado para Buchenwald. Ele ficou preso naquele campo de concentração durante 32 meses, até sua libertação em abril de 1945, e fixou residência na França.

x-x-x-x-x-x-x-x-x

REGISTRO

ROMANCE

A escritora Zenilda Nunes Lins lançou seu Romance “Reino das Estrelas” no dia 27 último, no auditório da Academia Catarinense de Letras, à Avenida Hercílio Luz, próximo ao Clube Doze de Agosto.
Na ocasião, a escritora e cantora Ivonita Di Concílio prestou uma homenagem musical à autora.

NOA NOA

A Cultura de Santa Catarina perdeu na madrugada do dia 23 de junho o poeta e editor,  Cléber Teixeira, aos 73 anos. A Noa Noa, sua editora mantinha como carro chefe uma  impressora no estilo da prensa de Gutemberg, a marca registrada desse “homem de cultura”. De tanto amar os livros Cléber só os concebia através do modelo artesanal de impressão, a tipografia.
Sua contribuição à Literatura ficará para sempre marcada na história do que se produziu e produzirá em Santa Catarina, embora suas cinzas fiquem depositadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, sua cidade natal.




x-x-x-x-x-x-x-x-x

CONFRARIA DO POEMA-pn

A palavra paixão
não deixa escolha
corrói meu interior.
Conota-se amor
traveste-se amizade.

A palavra paixão
revolve o peito
adormecido sentimento
velhos desejos,
tufão (des)amenidades.

A paixão palavra
Revive o tempo.

(Paixão-Palavra, Pinheiro Neto, A rosa do verso,1988)