segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Edição nº. 66






 PAPO NA CONFRARIA: ROBERTO RODRIGUES DE MENEZES



1-    O que te motiva a escrever?

A busca do belo, de uma perfeição com certeza impossível. Meu grande motivador foi um professor de Brusque, onde cursei o que na época se chamava ginásio, talvez a minha melhor faculdade, no seminário de Azambuja. O cônego Valentim Loch, já falecido, foi meu grande incentivador. Ela escrevia de forma clássica e procurava passar isso para os alunos que ele considerasse numa média acima dos outros. Hoje meus poemas seguem a rima e métrica escorreitas, clássicas, porque desde a adolescência fui ensinado assim. E é o que eu realmente gosto.

2-    Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

Quando cursava a quarta série do curso primário minha mãe, outra grande incentivadora, me comprou a obra completa de José de Alencar, em vinte volumes. Sem tevê, sem videogame, com tempo, eu lia, e muitas vezes recorri ao dicionário. Aos onze anos já conhecia toda a obra do grande cearense romântico. Cito Senhora, Lucíola e, numa outra fase, Os irmãos Karamazov, de Fiodor Dostoievski. Sempre tive fascínio por autores e compositores russos.

3-    Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:

a)     Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)

Memórias de um menino pobre, do saudoso amigo Norberto Cândido Silveira Júnior, que trabalhou comigo no governo Konder Reis, membro da ACL.

b)     Alunos do Ensino Médio

Dei aulas no ensino médio e utilizava muito os poetas do século dezenove, com ênfase para Luiz Delfino, Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias. Indico Os Timbiras, deste último.

c)     Alunos do Ensino Superior

Minha formação, de Joaquim Nabuco.

4-    Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Escrevo para jornal, redijo a revista de cultura da Academia dos Militares Estaduais, além de procurar escrever um livro por ano, não abdicando da qualidade. Participo também de Antologias diversas. Organizei o Livro dos Patronos da Academia dos Militares, que sai este final de ano. Como tenho deficiência visual acentuada e não dirijo, meus anseios de socializar para as escolas o pouco que aprendi foi muito atenuado. Trabalho ainda nos órgãos de formação da Polícia e Corpo de Bombeiros Militares, o que já me toma bastante tempo. Reconheço que não sou um autor popular, especialmente nos poemas, onde o clássico sempre permeia o processo. Mas é o meu estilo.



5-    Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

Penso que no Brasil o apoio é muito incipiente. Vejam que em Buenos Aires há mais livrarias que o Brasil por inteiro. Uma ideia seria colocar uma biblioteca em cada escola, seja pública ou privada. Não sou venerador do estado, que hoje considero muito enxerido na vida do cidadão. Mas a Educação, pelo menos a básica, deveria ter forte apoio do setor público.

6-    Fale sobre o papel das Academias de Letras em relação à Língua e à Literatura?

Penso que o papel ainda é pequeno. Formamos talvez uma elite, e alguns permanecem no limbo. Mas a manutenção da norma culta considero essencial nas academias, uma vez que tentativas de esquartejá-la são cada vez mais comuns.


Roberto Rodrigues de Menezes, nascido no dia 7 de Novembro de 1949, em Florianópolis, é coronel da Reserva da Polícia Militar catarinense. Membro de quatro academias literárias, tem dez obras publicadas nas áreas de contos, poemas, crônica, história e biografia. Preside a Academia de Letras dos Militares Estaduais de Santa Catarina.





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DA SÉRIE “POETAS MULHERES” – 8




(Escultura feminina de Elisa Zatera, artista plástica de Caxias do Sul/RS)





BUSCO A PALAVRA

Não a que vem de mitos nem de lendas
a que traz resquícios do passado
nem mesmo dos bosques frescos do porvir
em que por vezes me hei refugiado.

A palavra que decerto jamais escreverei
pois a que tenho escrito – tenho rasgado
por imprecisa, inócua, ataviada.

Breve ou não, quero-a brava e exata
espelhando o homem do meu tempo.

Busco a palavra em que lateje o presente
a hora que o relógio marca
fim de centúria e de milênio
era superapocalíptica.

Nem o transato nem o amanhã
só esta hora mesma e conflagrada
                                        de agora
na palavra em que meu semelhante veja
                                        a sua face
e nosso tempo em meu texto
e diga: está certo, irmã.


+ Maura de Senna Pereira/SC (Cantiga de Amiga, Achiamé, 1981)


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DEZEMBRO


dezembro
traz nos ombros
o peso
de onze meses

chumbo ou ouro
dezembro só quer
o de sempre

encerrar o expediente
com chuva
de estouros


Valéria Tarelho/SP (Livro da Tribo, 2014, pg. 398)


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PÉTALAS DESFOLHADAS


Mornas despedidas
Atiradas ao relento
É como uma luz perdida
Nas sombras do pensamento.

Lá fora uiva o vento
Levando até os rebentos
Das flores de meu jardim
As pétalas desfolhadas
Choram em mim...


Vani Nunes/RS (Relicário, 2014, pg. 44)


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Grafite, sem assinatura. Lagoa da Conceição/Floripa.



EM TEMPO!

Tem tempo aqui
Em tempo lá
Espere agora
Não vá embora
Seu perfume ainda aqui
E aquele livro...
Não terminou ainda
Nem àquelas horas
Dentro de nossa historia
Tem tempo aqui
Em tempo lá...
Não vá embora
Temos a nossa historia...

DúKarmona/SP (Face, 17/11/2014)

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COMO E QUANDO

Vai, saudade!
Despacha-te breve,
faz minh’alma leve
de pesares e ausências.
Vai com pressa,
deixa-me a surpresa dos reencontros,
sem saber como e quando,
que sobreviva o porquê.
Leva contigo a tristeza,
deixa-me alguma leveza
e a inteireza de viver.
Vai, saudade!
Deixa-me aqui, sossegada,
até que alguma estrada
reinvente-se nas madrugadas insones.

Rosangela S. Goldoni/RJ (09/11/2014)

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ALHEAMENTO

Se sou abstrata
não me definas
deixe-me ser
compor meus pontos
Bailo na lógica
pulo nas margens
constelo prismas
É no quântico
que não me alcanças
surreal tua prisão
já não me tens
Sensorial, ilógica
fujo do teu pragmatismo
Concreto é teu mundo
respiro, diluo, evaporo
Fui te encontrar
logo em um teorema
e inexata, sobrevivi!

Ana Luiza/RS (Face, 19/11/2014)

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Arte em café de Michele Espíndola (Café Mineiro/Lagoa da Conceição/Floripa)





SEGREDO

Entre sombras e arvoredos
o sabiá guarda os segredos
das flautas do meu cantar.

E os caçadores lá de longe
ouvem mas não sabem onde
canta em mim um sabiá...

E assim me leva a vida
cantando despercebida
sem poder me desvendar...

Mary Lovely/SP (2014)


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SEM OBRIGAÇÃO

rabiscos desobrigados
ágeis e soltos
sem pressa
maturam-se às verdades
da alma paciente

no frescor das verdes
impossibilidades
esbarram-se
aos ímpetos
nas rimas preguiçosas

Soninha Porto/RS (doEu, Alcance, Porto Alegre, 2009, pg. 83)


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UM OLHAR DENTRO DO MEU



Não vivi setembro, ele passou por mim em vão
qual uma nebulosa apagada, silenciosa...
Até minh’alma, como desprendida do chão,
sentiu sequer o perfume de uma rosa.

Como as folhas desgarradas de um arbusto,
rolo da mente a busca de entendimento.
Vezes compreendo as perdas e o injusto,
outras vezes, alheio-me em descontentamento.

Agora só espero outros sóis, em setembro,
outras baleias que venham em mês de novembro,
as quais, do alto, nunca avistei por aqui chegar.

Agora vasculho, dos campos, guardadas
entre as fotos de folhas mais amareladas,
um olhar de primavera dentro do meu olhar.


VANIA VIANA/AL ( Face, 01-10-2014 ) 


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RECONHECIMENTO


Estranho seria
se eu não sentisse
essa paixão pela vida
da maneira mais exaltada e inquieta
que me é possível
que não me permite o sossego
dos que assistem a vida passar pela janela

Estranho seria
eu não me excitar
com o toque  distraído
da sua mão na minha pele
desencadeando uma onda de choques
pelo corpo todo
esperando muito mais
daquele momento


Estranhos os meus sentidos
que não são sentidos
vibrando em faixas diferentes
tentando se comunicar
encontrar uma sintonia
limitados a razão
que pesa


CRIS M. BIANCO/RS (Face, outubro 2014)



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DA SÉRIE CRÔNICAS





SAUDADES DO PAULO FRANCIS


Vendo a fotografia da Madonna ali no jornal e a matéria afirmando que a pop-star viria ao Brasil, foi que me lembrei do Paulo Francis “não tem voz alguma, apesar de todos os alto-falantes. Se movimenta paca, mas, se aquilo é dança, minha avó é bicicleta”. 

Num tempo em que tudo parece estar nivelando-se, a opinião pública, o senso comum, a moda, os costumes à semelhança de um líquido esparramado num chão de relevo atípico, preenchendo as frinchas, ocupando desníveis, se adaptando as novas formas que o absorva até que não lhe sobre nem ranhuras, nem saliências e nem reentrâncias, apenas a superfície lisa do acomodamento que lhe convém, então já não conseguimos fazer a distinção entre o que foi o líquido e o que era sólido, restando esta geleia amebiana com a qual temos de conviver, mas é dose.
Em sendo um outsider, sinto falta da voz discordante: do mano-a-mano dos homens livres que diante das obviedades (penso em Darcy Ribeiro) alimentam um único desejo, o de ridicularizá-las.

Sobre João Gilberto (já que peguei o gancho da música) a propósito de sua nova temporada, aos 76 anos, especula-se que ganhará no final mais de R$2 milhões, disse o Paulo Francis “Se notou logo que cantava como Chet Baker, mas isso como Wagner tira de Liszt (que agradeceu, dizendo que assim passaria à história...), quer dizer, se inspirou apenas, em Chet, para seus solos e musicalidade. Nem Tom, seu rival mais próximo, tem a musicalidade de João, o timbre, o afinamento, a certeza, que parecem vir das entranhas”. 

Mas o Francis opinava, em sua coluna “Diário da Corte” (uma sugestão do jornalista Claudio Abramo quando estava na Folha de São Paulo) o nome era uma piada, mas emplacou. Falava de livros, teatro, música, cinema, ópera, política e economia, viagens, restaurantes, comidas, bebidas... Sempre com a verve que lhe era peculiar. Podia não se concordar sempre com ele, mas era impossível passar indiferente ao que dizia. Quando saiu da Folha para o “Estadão”, sai também, como aqueles garçons que mudam de bar para trabalhar e levam junto os “seus” clientes.

O humorista Jaguar quando escreveu durante certo tempo para um jornal paulista mantinha uma coluna chamada “Notícias do Balneário” uma maneira de homenagear o Francis (notem as semelhanças dos nomes) e ironizar os valorosos trabalhadores paulistas... Também a minha página (junto com a jornalista Emília Teixeira) “As Últimas da Provyncia” (assim mesmo com “y”), mas que nunca saiu do plano das ideias e breves ensaios que enviávamos para outros colunistas glosando o nosso papel, valia pelo humor. Falei do Jaguar, lembrei do “Pasquim” (Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Ziraldo, Luis Carlos Maciel, Fausto Wolff (alô velho amigo, mais amigo que velho?), Ferdy Carneiro, Ivan Lessa, os irmãos Caruso, Henfil, Mário Prata (onde você anda?), Nei Duclós (você está aí?) e uma penca de gente de talento, bem humorada e insubmissa. O Francis achava que não era só o humor que tinha vendido tanto “O Pasquim” afirmava “foi a censura que vendeu o jornal. Censurados, não podíamos espinafrar o regime, logo tivemos de dar asas à nossa imaginação, como dizem, e não cair nas reclamações monocórdicas típicas da esquerda”.
Sobre jornalismo, dizia Francis “a glória da imprensa foi feita por gente com opiniões fortes e inconformistas”. Ainda sobre a música, afirmava “os baianos vem para o Rio de Janeiro cantar “ai que saudades que sinto da Bahia”, bem se foi por falta de adeus. Pt e saudações”... Falando sobre a morte, foi contundente “... Se houver outra vida e eu tiver alguma mobilidade, prometo levar o meu ectoplasma para Brasília e infernizar essa canaille”.

Francis faz falta!

(Olsen Jr. A crônica de domingo, Jornal A provyncia, 07/12/2014)                            



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LI E RECOMENDO (8)




CARTAS AO PAI


Foi há muito tempo. Acho que eu tinha uns vinte e cinco anos. Antes tinha lido O processo, A metamorfose, O castelo e América ou o desaparecido, desse autor magnífico que é Franz Kafka. Quando chegou-me às mãos, comprado em um sebo, foi uma bênção. Já ouvira valar muito sobre ele mas, por um motivo ou outro, as chances de tê-lo e reservar um tempo para sua leitura sempre deram lugar a outras prioridades e outras leituras. Nem lembro a editora. Lembro apenas de dei-o de presente a um amigo que ficou interessado após meus comentários sobre a obra desse autor cujo reconhecimento só se deu após sua morte.

Hoje, através da releitura desse fenômeno que é Carta ao pai, uma edição de bolso da L&PM comentada, com tradução, organização, prefácio, glossário e notas de Marcelo Backes, compartilho com vocês recomendando-o neste espaço.

Transcrevo a seguir o texto que consta da contra capa dessa edição da L&PM com o título “A mais íntima obra de Franz Kafka”:

Entre os dias 10 e 19 de novembro de 1919, Franz Kafka, insatisfeito com a fria recepção paterna diante do anúncio de seu noivado com Julie Wohryzek, escreveu ao pai, o comerciante judeu Hermann Kafka, uma longa carata – mais de cem páginas manuscritas. Kafka tinha então trinta e seis anos, uma vida pessoal acanhada – nunca se casara ou constituíra família -, uma carreira mediana de funcionário burocrático e uma ambição literária ainda longe de estar realizada. Na carta, que nunca foi enviada ao destinatário original, Kafka põe a nu toda a sua mágoa em relação ao pai autoritário, que ele chama, alternadamente de “tirano”, de “regente”, de “rei” e de “Deus”. Em uma experiência virtuosíssima de auto análise, além de uma belíssima peça literária, ele mostra como, a seu ver, o jugo paterno minou-lhe a auto estima, condenando-o a uma personalidade fraca e assustada.

Além de disponibilizar ao leitor um dos textos mais emocionantes da literatura ocidental, essa edição da L&PM dá a devida dimensão biográfica à Carta. A leitura da carta e do material que a envolve joga luz sobre o drama humano universal do autor e ajuda a compreender sua imensa angústia, capaz de gerar obras primas como O processo, A metamorfose, América ou o desaparecido, entre outras. Como escreveu o filho ao pai: “Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito”.

Franz Kafka nasceu em três de julho de 1883, filho mais velho do comerciante Hermann Kafka (1852-1931) e de sua esposa, Julie, nascida Löwy (1855-1934), na cidade de Praga, na Boêmia, que então pertencia ao Império Austro-Húngaro. Kafka teve dois irmãos falecidos pouco depois do nascimento (Georg e Heinrich) e três irmãs (Gabriele, Valerie e Ottilie). Faleceu em três de junho de 1924, três meses após voltar a Praga.



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CANÇÃO DE AMOR (Rainer Maria Rilke)


Como devo conter minha alma
para que não interfira na tua?
Como devo elevá-la acima de ti
na direção de outras coisas?

Gostaria de poder abrigar minha alma
em algum recanto perdido no escuro,
tranquilo e estranho, onde não mais
pudesse vibrar ante a funda vibração da tua.

Porém, tudo que nos toca, a ti e a mim,               
aproxima-nos como o golpe de um arco
que ao ferir duas cordas um único som extrai.

Sobre qual instrumento estamos retesados?
Que Violinista nos tem em sua mão?
Ah, doce canção!



 (Tradução livre de Silveira de Souza, especialmente para esta Confraria, dezembro/2014)





                                                                                                                     
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DA SÉRIE “NOSSA LÍNGUA”









GAFES TELEVISIVAS --- Queóps

Quem frequenta ou frequentou o primeiro grau de qualquer escola brasileira, já ouviu falar pelo menos uma vez num faraó famoso, num faraó megalomaníaco, que mandou construir a maior de todas as pirâmides: Quéops.

Recentemente, porém, uma emissora de televisão nos tomou de assalto anunciando um novo faraó da história universa: um tal de Queóps. Esse – podemos garantir – não construiu sequer um montinho de areia...

Ao ouvirmos, num programa realmente “fantástico”, Queóps, Queóps, Queóps, corremos à enciclopédia para tomarmos conhecimento desse mais novo faraó da história. Resultado: frustração. Frustração total. Nenhuma das nossas enciclopédias trazia informações sobre o tal do Queóps. Recorremos, então, ao vizinho, cuja enciclopédia, mais completa que a nossa, - e atualizadíssima – também não dedicava sequer uma linha ao faraó global.

Por isso, no dia que à nossa porta bater um novo vendedor de enciclopédias, iremos recebe-lo com um prazer ainda maior e perguntar antes mesmo de convidá-lo a entrar: “O senhor nos garante que na sua enciclopédia já consta o nome do mais novo faraó da história mundial: Queóps?”

Se ele apenas fizer menção de acenar com a cabeça em direção ao sim, vamos convidá-lo não só a entrar, mas a sentar-se, tomar um cafezinho e, prazerosamente, vamos rabiscar-lhe um cheque...”





[ Luiz Antônio Sacconi, Gafite, nº. 1, abril 87, Nossa Editora, p. 15]



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DA SÉRIE  “REPASSANDO”





BOOKS & BEERS


Abrir um livro é como servir-se de um drinque, é como sentar para beber, envolvendo-se do início ao fim. A sensação é de sede. A curiosidade é fome. E eis que começa a aventura. Mas, antes, a capa. Escolha a sua taça, um copo ou um prato. Eles são a introdução do que vem a seguir.
As portas se abrem para um lugar com alma de praia, conteúdo de livraria e conforto de sala. Os amigos distribuem sorrisos, apertos de mão e abraços tropicais. Já é hora de começarmos a escolher no cardápio nossos personagens favoritos.
Cada líquido nasceu em uma cidade, foi criado em um estado e se derramou por países. Cada ingrediente esteve diante da vida, adaptando-se a seus diversos recipientes.
Cada rótulo tem a sua personalidade, e todos fazem parte de um grande e único enredo. Assim chegamos qo ápice dessa história: o seu ponto de vista. Ou se preferir, paladar.
Aqui, não há um protagonista mais importante do que o outro. Todos são iguais perante o brinde. Por isso, caro leitor, não se esqueça de levantara seu copo, olhar fixamente nos olhos de seu vizinho de mesa e desejar-lhe saúde.
Bem-vindos às páginas soltas em que bebemos a vida. Bem-vindos aos versos fluidos de cada por do sol. No Books & Beers, todas as histórias são compiladas em uma valiosa coleção chamada cultura. A cultura de bar em todos os seus significados.
Celebremos!
Paulo Maia (Books & Beers, a cultura de bar em todos os seus sentidos, fica em Floripa/SC, mais precisamente na Lagoa da Conceição)



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CONFRARIA DO [meu] POEMA-pn


  
O retrato no copo
mostra o corpo
inútil tentar ver o rosto.

O retrato no corpo
mostra o rosto
inútil tentar ver o copo.

O retrato no rosto
mostra o copo
inútil tentar ver o corpo.

 
(Pinheiro Neto, Jogo 8, A rosa do verso, 1988, p.54)   


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O MELHOR LIVRO DE POEMAS QUE ESCREVI

POUQUÍSSIMOS PODERÃO LER NESTA VIDA.

ELE ESTÁ IMPRESSO NO MEU CORAÇÃO! E TU, COM

CERTEZA ESTÁS LÁ, EM TODOS

OS VERSOS QUE NÃO FORAM PUBLICADOS.

(Pinheiro Neto)


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domingo, 9 de novembro de 2014

Edição nº. 65









 PAPO NA CONFRARIA: KÁTIA REBELO


1- O que te motiva a escrever?

Escrevo para dar o meu depoimento sobre a vida. Dizer como eu vejo o mundo. Contar uma história que surgiu de uma ideia e tomou forma para se transformar em um livro.


2- Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

Rebecca, de Daphne Du Maurier.
Casa Velha, de Machado de Assis.
Os papéis de Aspern, de Henry James.


3- Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:

a)         Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)

Trabalhei muitos anos como bibliotecária e acredito que a biblioteca escolar precisa ser uma extensão da sala de aula. Uma visita orientada à biblioteca fará com que os alunos conheçam, por exemplo, a literatura clássica de Monteiro Lobato: Reinações de Narizinho e a literatura moderna de Ana Maria Machado: Bisa Bia Bisa Bel. O que realmente importa é o contato do leitor/estudante com o acervo disponível na biblioteca.

b)         Alunos do Ensino Médio

No Ensino Médio o elo entre sala de aula e biblioteca precisa ser reforçado. Para instigar a imaginação, a leitura de narrativas de mistério, desperta a curiosidade dos leitores/alunos. Indico Crime na baía sul, de Glauco Rodrigues Correa, pois além de ser uma ficção policial, traz um final inesperado.

c)         Alunos do Ensino Superior

Aos alunos da graduação indico Machado de Assis. A leitura de Dom Casmurro, bem conduzida pelo professor, será um encontro prazeroso e desafiador com a volubilidade do narrador Machadiano.


4- Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?


Escrevo todos os dias. Mesmo que seja para revisar, acrescentar um parágrafo, uma sentença ou mesmo um vocábulo. É necessário manter o ritmo de produção.

5- Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.


Deveria haver maior apoio às artes: prêmios literários, incentivo aos novos autores. O setor público concede apoio com editais, contemplando assuntos ligados ao folclore local, atestando o “Instinto de Nacionalidade” que Machado de Assis já abominava no século dezenove. O que realmente importa, é o “Sentimento íntimo”, pregava o autor. Afinal, um tema universal alcança um maior número de leitores.


6- Fale sobre o papel das Academias  de Letras em relação à Língua e à Literatura?

Nas Academias de Letras os escritores unem forças, seja na valorização da língua, com palestras e produções dos autores, como também na publicação e divulgação dos trabalhos dos acadêmicos.


Kátia Rebelo é natural de Florianópolis. Formou-se em Biblioteconomia na UFSC. É mestre e doutora em Literatura. Suas obras: A casa da praia, 1988; Homicídio em dó maior, 1966; Coincidência!, 1999; Em nome da arte, 2000; Olhos de vidro, 2001; Por falar em fantasma, 2005; O silêncio do olhar, 2011 e A realidade e a ficção, 2013 (todos pela editora Papa-livro).
É membro da Academia Desterrense de Letras, onde ocupa a cadeira número 2, e da Academia São José de Letras, cadeira número 30.  


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DA SÉRIE "POETAS MULHERES - 7" 



                                    [Franklin Cascaes, Bruxa]






CORAÇÃO CANSADO


Bate forte coração cansado,
sob o peso de tantas ilusões,
por belos sonhos embalados
ao som de velhas canções.

Bate pelas esperanças malogradas,
se amarguras que teimam em voltar.


Bate enfim para lembrar
de alguém o derradeiro afago
que, num passe de mago,
te fez um dia (segredo?)
fortemente pulsar!


[ Silvia Amélia, Poemas do meu caminho, Coleção ACL, 2,Florianópolis, 1993. “Homenagem ao Centenário de nascimento da Secretária Perpétua da Academia Catarinense de Letras”.] 
                                                             
 
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POR RAZÃO NENHUMA


desejo um riso
profundo
que não corra
o raso risco
ou uma rente
rasura
e se curve 
sem motivo
desalinhando o siso
do sol da boca


[Valéria Tarelho, Face 01-10-2014]




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[Arte de Michele Espíndola - Café Mineiro/2014]



MISTÉRIOS

Imagens fatigam
Rodeadas de batalhas
Velho é o tempo
Fora de casa
No quintal de quimeras
Vergel de primaveras
Limite temporal
Mora entre vírgulas escondidas
E interrogações solitárias
E eu, entro no mistério
De colher orvalhos
Ao amanhecer...

[Vany Campos, Relicário, Porto Alegre, Evangraf/Somar, 2014, p.21]


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TEIA

Ela tece sua teia
se enrola se enleia
os fios trameia
na teia.
Como gangorra
sobe
desce
pelos fios balança
se lança
quase cai.
Equilibra avança
o topo logo alcança
enlaça abraça
suas crias cria
passa a noite
chega o dia
ela continua sua lida
sua vida conquista
realiza
vence.

Ela é uma MULHER!

[Adélia Einsfeldt, POA/RS]


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[Arte de Michele Espíndola - Café Mineiro/2014]





FEITO A LUA

És feito a lua...
reluzente
misterioso
sombrio!
Ora aparece
ora nebuloso,
ora fugidio!

És feito a luz ...
tímido
prata
faceiro!
Ora some,
ora reflete,
ora inteiro!
Ah! Como eu gosto da lua cheia!
                        
                       [ Andréa Lúcia, RJ]


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MOMENTOS

Minutos não esquecidos,
Lembranças vividas,
Carinhos enternecidos
Em consequentes idas.

Não obstante o olhar,
Pasmo, fico a pensar,
Ideias fazem pairar
Suspiro a desabrochar.

No desencanto da vida
Espero o desenrolar,
Como tudo se faz passar
Vivo mementos, torno a pensar.

[Elba Khadija Gomes, RJ]


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SERENIDADE

O barulho da água a jorrar
Liberta o pensamento no ar

Voa livre, sem destino.
Busca o eu encontrar

As ideias a navegar
As imagens refletem sobre o mar
Assim como as ondas livres e calmas a quebrar

A paz invade contente
O coração da gente

É possível notar
O movimento ao respirar
A presença de Deus
Trazendo o conforto
O ambiente para orar!

[Flávia Assaife]


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[Arte de Michele Espíndola - Café Mineiro/2014]





NOS BRAÇOS DA POESIA

Num repente as palavras acordaram
Revelando todos os meus reversos
Em rimas, as letras sobejaram
Suscitando a cumplicidade dos versos.

Chegou, do silencio elegendo o fim
Desatando o que interditava a voz
Na aridez do papel promoveu jardim
Meu dia amanhecendo, vibrante, veloz.

Então, silente, por minhas ruas andei
A sussurrar segredos em cada passo
Do tempo e das emoções me apossei
Sosseguei nos veros, mau cansaço.

[Glória Salles, Flórida Paulista/SP]


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BORBOLETAS AZUIS

mulher em metamorfose
transcende csheiro primaveril

cálice de pétalas pequeninas
transborda suavidade
feitiço
das borboletas azuis

suave odor a sensualidade feminina

[Jania Souza, Natal/RN] 



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Poema de Valeska Cabral/ RJ






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DA SÉRIE CRÔNICAS



 Um pescador com alma de poeta

                       
       Havia um pescador que vivia numa belíssima aldeia, numa casa modesta, à beira mar. Tinha um filho lindo e uma esposa que reclamava de tudo: da vida que levava, da pobreza e até do próprio filho. Matias saia todos os dias cedo, levava consigo uma rede nas costas e uma marmita. Tinha uma expressão triste, e enquanto caminhava na areia branca da praia recitava alguns versos do escritor Victor Hugo “Da espalda de um rochedo, gota a gota / límpida fonte sobre o mar caia, / Mas, ao vê-la tombar em seu regaço/" O que queres de mim? "O mar dizia. / Eu sou da tempestade o antro escuro/ Onde termina o céu aí começo/ Eu que nos braços toda a terra espreito / De ti, tão pobre e vil, de ti careço?...”/ No tom saudoso do quebrar das águas/ Ao mar, serena, a fonte assim murmura:/"A ti, que és grande e forte, a pobre fonte/ Vem dar-te o que não tens, dar-te a /doçura!...”

Passava o dia todo no mar buscando a sobrevivência, e a poesia era a sua companheira. O velho professor da aldeia o alfabetizou, e Matias se tornou um apaixonado pelas letras. Muitas vezes, o pescador com alma de poeta trocou peixes por livros de poemas. O mestre sabia que Matias poderia se tornar um escritor, só que a pobreza o impediria, pois tinha que buscar o sustento da casa e deixar de estudar assim que terminasse a quarta série. E assim aconteceu, sendo que Matias não abandonou os livros.

     Os homens do mar carregam consigo sentimentos de pureza e amor pela vida. Os sorrisos e os olhares denotam a simplicidade do ser humano, das pessoas que levam uma vida simples à beira do mar. Matias conquistava as pessoas através do seu jeito manso de falar , e principalmente quando ilustrava o diálogo com poesias. Falam que os poetas são tristes e ele não era diferente, e seus olhos azuis pareciam estar sempre chorando. Todas manhãs os pescadores cumpriam a missão, de ir ao mar, e as embarcações enfileiradas sumiam nas ondas do mar. Na orla, filhos e esposas se despediam em silêncio, sempre com ares de preocupação, porque alguns pescadores foram e não retornaram. Se bem, que com o passar do tempo se conformavam. A paisagem do mar, os coqueiros, a areia branca intactas, algemava qualquer pessoa sensível!Os dias passavam e a dor da viúva e dos filhos se tornava menos dolorosa. Naquela praia não havia nenhum vestígio de impureza, havia somente ondas tombando ininterruptamente, puro espaço e lúcida unidade, onde o tempo apaixonadamente encontrara a própria liberdade.

     Numa manhã sem sol, Matias acordou pensativo. Chegou até o mar, não foi pescar e sentou-se sobre uma duna, olhos perdidos no horizonte, nostalgia e uma insatisfação. Não conseguiu trabalhar e voltou para a casa, e antes de pôr o pé na porta lá vem a mulher gritando “Matias, isto é hora de voltar para a casa, e os peixes? Cada dia mais pobre, homem fracassado! Estou casada com um sujeito que me trouxe para esta aldeia pobre e seu filho é igual a você, não vai ser nada na vida!” Matias deitou-se na rede com o menino, abraçados adormeceram... Maria fez a mala e partiu.

    Segundo a lenda, pai e filho nunca mais acordaram. Foram transformados em anjos, que protegem a aldeia até hoje. A morada desapareceu. Ali nasceu uma árvore verde, e bela, que ofusca os olhares de todos que por ali passam, uma magia! Movimentam-se no ar dois galhos enormes, em formato angelical, parecem dois anjos de mãos dadas. Segundo a lenda, é a árvore mais bonita da aldeia, única que é frutífera o ano inteiro, um fruto delicioso! Só que, por entre as folhas da majestosa árvore, por trás dos galhos escorrem as lágrimas...


[Maria de Fátima Pavei, 11/02/2010]







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LI E RECOMENDO (8)






A CERIMÔNIA DO ADEUS


Em 1924, aos 19 anos de idade, Jean Paul Sartre deixa a cidade portuária de La Rochelle, onde vivia com a mãe e o padrasto, retornando a Paris para se matricular na Escola Normal Superior, o centro de discussão cultural, filosófica e política da época. Nesse ambiente, conheceu Simone de Beauvoir, através do amigo comum Herbaud. A identificação entre os dois foi total. Logo no primeiro encontro, o futuro autor de O ser e o nada e Crítica da razão dialética  declarou: “A partir de agora eu tomo conta de você”. Desde então, até a morte de Sartre em abril de 1980, Simone foi sua companheira inseparável. Participaram juntos de todos os grandes acontecimentos decisivos de nosso tempo, da Resistência a Maio de 68. Nunca se casaram, viveram perto um do outro, mas não sob o mesmo teto, segundo um projeto de amor sem quaisquer obrigações – nem mesmo a da fidelidade. Em Balanço final, recordando essa época, Simone se interroga: “Como teria evoluído se não tivesse encontrado Sartre? Ter-me-ia libertado mais cedo ou mais tarde de meu individualismo, do idealismo e do espiritualismo que ainda me dominavam?” E conclui: “Não sei. O fato é que o encontrei e que esse foi o acontecimento capital de minha existência.”

Em A cerimônia do adeus Simone de Beauvoir relata os últimos dez anos da vida desse homem fascinante, num tom ao mesmo tempo distante e comovente. O livro é o “diário-de-bordo” dessa longa morte. Simone de Beauvoir fala das crises de hipertensão, da cegueira, da progressiva falta de memória, das bebedeiras de Sartre. É um documento atroz, doloroso, mas que, contra o que pode parecer, homenageia Sartre. Um depoimento nada lírico, muitas vezes contendo até frases de um desespero absoluto: “Sua morte nos separa. Sua morte não nos reunirá. É assim: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tento tempo.”

O livro é composto também por uma longa série de entrevistas realizadas por Simone com Sartre em épocas diversas. Ela, faz ainda alguns acertos de contas, não com Sartre, que ela admira inteiramente, mas com pessoas que, segundo ela, no final de sua vida, o desviaram de si mesmo, como Benny Levy, ou Victor, que se tornou célebre por ter recolhido a última grande entrevista do filósofo, publicada na revista Le Nouvel Observateur. “Victor”, diz Beauvoir, “não expressava diretamente nenhuma de suas opiniões. Fazia com que Sartre os endossasse, representando em nome de não se sabe que verdade o papel de produtor. Seu tom, a superioridade arrogante que tomava com Sartre revoltaram todos os amigos que tiveram conhecimento desse texto. Ficaram como eu, aterrados pelo conteúdo das afirmações extorquidas de Sartre... Victor era volúvel, estonteava Sartre com palavras, sem lhe deixar o tempo de que precisaria par organizar-se.” Esse absurdo é um dos últimos episódios tristes da vida do escritor.

Poucos intelectuais na história do pensamento ousaram tanto e deixaram uma obra tão eclética. Filósofo, romancista, dramaturgo, jornalista, militante, Sartre foi sobretudo um homem generoso e livre. A busca incessante da verdade o levou a passar suas convicções por um implacável molinete dialético. Combateu todas as instituições, recusou o Nobel, se solidarizou sempre com as minorias. “O silêncio é reacionário”, disse em 1976.

O livro de Simone certamente seria lido com aprovação por Sartre, amante da coragem, da verdade e do rigor. Ficará para todos que se interessam por ele e sua ação na história como um testemunho essencial e patético.

Para Gilles Lapouge, “lê-se A cerimônia do adeus dividido entre o horror (pois seria lícito dizer tudo, não passar em silêncio nenhuma das horas dolorosas da agonia?), a admiração (pois não é heroísmo por parte da mulher dizer tudo?) e as lágrimas – pois, no dia em que morreu Jean-Paul Sartre e em que foi enterrado, toda a Paris se reuniu espontaneamente: 50 mil desconhecidos, jovens principalmente, seguiram silenciosamente o carro fúnebre no qual repousa agora esse homenzinho macilento, feio, que foi no coração de todo um meio século a mais lúcida, a mais generosa das testemunhas.”

[A cerimônia do adeus, seguido de Entrevistas com Jean-Paul Sartre, agosto-setembro 1974, Simone de Beauvoir; tradução de Rita Braga, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.]




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PASSEI UMA VEZ POR UMA CIDADE POPULOSA


Walt Whitman

Passei uma vez por uma cidade populosa buscando guardar  na mente,
        para uso futuro, seus acontecimentos, costumes, tradições e arquitetura.

 No entanto daquela cidade lembro hoje somente de uma mulher
       que encontrei por acaso e que me deteve ali dado seu amor por mim.

Dia após dia e noite após noite estivemos juntos — tudo mais
       foi esquecido há muito tempo.

Recordo apenas, repito, daquela mulher que apaixonadamente se ligou a mim.

E agora de novo caminhamos pelas ruas, nos amamos, e nos separamos.

De novo agora ela me segura pela mão, não devo partir.

Vejo-a bem próxima ao meu lado, com seus lábios silenciosos, tristes e trêmulos.

                                                                   

 (Tradução de Silveira de Souza, especialmente para esta Confraria, outubro/2014)                                                                              
                                             
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DA SÉRIE “NOSSA LÍNGUA”












GAFES JORNALÍSTICAS



dois anos atrás

Alguns gostam muito de chover no molhado. Outros, que isso não apreciam, ficam resfriados só de pensar...

Quem usa já está dizendo que foi atrás. Esse equivale a faz. O caro leitor já viu alguém usar “faz dois anos atrás”? Por que, então, construir “dois anos atrás”?

Deixemos o atrás para trás e usemos daqui para a frente só assim:

dois anos não havia o Plano Cruzado. E agora, há?
três anos não havia esse governo.
O presidente eleito morreu quase três anos.

Quem usa “dois anos atrás” - e se sente bem – está autorizado a usar também: entrei lá dentro, saí lá fora, subi lá em cima, desci lá embaixo, pomar de frutas, adega de bebidas, demente mental: tudo é farinha do mesmo saco.

Quem faz questão de usar atrás, então, que não use há:

Dois anos atrás não havia o Plano Cruzado.

O presidente eleito morreu quase três anos atrás.

Num dia de agosto (mês de mau agouro sobretudo para nós, brasileiros) se leu num de nossos jornais:

Na data de hoje, 24 anos atrás, Jânio Quadros renunciava à Presidência da República.

Eis aí um mau exemplo...

[ Luiz Antônio Sacconi, Gafite, nº. 1, abril 87, Nossa Editora, p. 17]



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CONFRARIA DO [meu] POEMA-pn


Não será a frase tola
a palavra fácil,
o olhar comum;

Não será a verdade,
a vontade, o desejo,
o tempo passageiro;

não será coisa alguma
ou tudo isso
que te fará feliz.

Apenas meus minutos,
meus pobres e poucos
minutos
te darão prazer.
 
(Pinheiro Neto, Minutos poucos, A rosa do verso, 1988, p.69)