domingo, 9 de março de 2014

Edição nº. 58







 PAPO NA CONFRARIA : MÁRIO PEREIRA


1-O que te motivou a escrever?

Sempre fui um leitor voraz. Do ler ao escrever é um pulo. No colégio dos jesuítas, o Anchieta, em Porto Alegre, tive um professor, o saudoso Godofredo Fay de Macedo, que nos estimulava a escrever e a publicar no jornal do nosso Grêmio Literário Liberato Vieira da Cunha.


2-Cite três livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida.

“O velho e o mar”, Ernest Hemingway, “Guerra e paz”, Leon Tolstoi, “O apanhador no campo de centeio”, J. D. Salinger.



3-Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de: Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior.

A) “O sítio do pica-pau amarelo”, Monteiro Lobato.
B) “O encontro marcado”, Fernando Sabino.
C) “Memórias póstumas de Braz Cubas”, Machado de Assis.


4-Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Geralmente, escrevo à noite. Primeiro, faço um resumo do que pretendo colocar no papel. Se ficção, planejo primeiro o final da história. Depois, cortar, cortar e cortar. E revisar, revisar, revisar.



5-Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

O melhor apoio que poderia ser dado à literatura e sua renovação seria disponibilizar um ensino de qualidade, com especial atenção para a língua pátria, hoje humilhada e ofendida. A desgraça começa no ensino fundamental, continua no ensino médio, passa invicta pelo “vestibular das quotas”, e estende-se pelo ensino superior. É assustador o índice de analfabetismo funcional no país.


6- Fale sobre o papel das Academias de Letras em relação à Língua e à Literatura.

As academias deveriam ter uma participação mais ativa na defesa do padrão culto da língua e como incentivadoras do surgimento de novos talentos literários. Deveriam também abrir suas portas para o público sempre que possível, promovendo cursos, simpósios, palestras etc. E cobrar da mídia mais correção e mais respeito em relação à nossa “última flor do Lácio”.


(*) Ocupante da Cadeira 08 da Academia Catarinense de Letras.



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SAUDADE

Quando chegares, saudade,
No desdobrar da vida,
- nem vivida –
Eu te divisarei, lá longe,
No barco parado, sem vela,
Boiando no mar sem verão
– nem procela –
Parado em ti.

Quando chegares, saudade,
Na noite amanhecida,
- nem dormida –
Eu te avistarei, de longe,
E abrirei os braços, no abraço
Da coisa conhecida
- e já perdida –
No meu entardecer.

(MILA RAMOS, Sete rumos, Edições Sanfona, 1985)



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A POESIA E A POEMAS À FLOR DA PELE


Afirmar que a poesia não tem mais lugar na vida das pessoas neste nosso mundo nanociberfacebloglobalizado é, no mínimo, uma sandice! Que a falta de tempo, a luta por sobrevivência, conflitos sócio-político-ideológicos, mobilidade urbana, violência, insegurança, drogas, educação, saúde e inúmeros outros problemas tornam o homem diuturnamente insensível, inapto para captar a beleza que está posta ao seu redor, é pior ainda.

Nunca se escreveu tanto, se leu tanto, se declamou tanto, se debateu tanto, se compartilhou tanto poesia como nos dias de hoje. De norte a sul de todos os países e principalmente do nosso, proliferam grupos, associações, academias, confrarias, cujo objeto de ação é a poesia. Nas esquinas e nos sinaleiros inúmeros divulgadores anônimos de seus escritos poéticos os distribuem na ânsia muito mais da leitura de quem os recebe do que das poucas moedas que lhes são oferecidas.

Poetas iniciantes com ou sem livros publicados, poetas consagrados, poetas de coletâneas, poetas de blogs ou do facebook, todos de alguma maneira vêm contribuindo para provar que o poema é e sempre será o gênero literário mais leve e ao mesmo tempo mais sério e preciso de levar poesia à alma das pessoas.

E o que a “Poemas à Flor da Pele” tem a ver com esse cenário? Tudo!

Criado em 2006 enquanto movimento de divulgação poética através do Orkut, “Poemas à Flor da Pele” vem se consolidando como um dos mais sólidos e dinâmicos espaços de agregação de poetas e de promoção de atividades culturais, artísticas e sociais, reconhecido em todos os continentes. Foram tantas as participações em eventos, feiras e bienais, promoções e co-promoções, edições de livros e e-books, que o grupo houve por bem oficializar o movimento, transformando-o em uma Associação Cultural.

À frente de todo esse processo está sua idealizadora e Coordenadora, a dinâmica escritora e promotora cultural Sonia Ferrarezi, mais conhecida como Soninha Porto. Seu trabalho hercúleo vem projetando nacional e internacionalmente não apenas o objeto de trabalho da Poemas, a nova poesia, mas e principalmente os poetas que integram o movimento e a Associação e que são o alicerce de tudo o que a Poemas planeja e executa. A garra e a competência de Soninha à frente da Associação tem contribuído para uma diminuição da (ainda) enorme distância entre escritor/poeta e aluno/leitor, uma vez que as atividades programadas e realizadas pela Poemas sempre tem levado em consideração a aproximação com escolas, professores e alunos.

Sabemos que nossas escolas toleram o que chamo de “livres incursões imaginárias” apenas no período da pré-escola ao trabalhar a educação sensorial. Após essa fase, a tendência é reprimir qualquer manifestação que esteja fora da linguagem articulada. Sabemos também que os cursos de formação de professores de Língua e Literatura no Brasil não “perdem tempo” com o ensino da poesia. Isto posto, como esperar que os alunos que se formarão professores aprendam a gostar e a trabalhar a Língua através desse gênero literário?

É preciso iniciar um processo sistematizado de desmistificação da poesia, quer no âmbito da formação dos professores, quer na formação dos alunos, principalmente no primeiro e no segundo grau.

De uma maneira geral, acredito ser necessário pensar em um ensino da poesia nas escolas que traga como alvo: o desenvolvimento do poder criador da criança; o desenvolvimento da imaginação e da sensibilidade; a iniciação da criança no contexto da arte em geral, além da formação do sentido estético dessa criança.

Acredito também que a escola não poderá dar conta disso sozinha. Será preciso aliar-se, aparceirar-se com instituições que congregam poetas e estudiosos da poesia especificamente e da literatura como um todo, a fim de romper o academicismo intransigente e ultrapassado e deixar a criança, o estudante aprender a “escutar o ritmo do mar”, o que hoje só é permitido aos Poetas.

E é aí que entra o trabalho que vem sendo desenvolvido com competência e perseverança pela Associação Cultural Poemas à Flor da Pele durante todos esses belos anos de existência. Trabalho que é coroado a cada nova produção da Editora Somar.


Pinheiro Neto, Barra da Lagoa/SC, verão de 2014.


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CLASSIFICADO - VENDO CORAÇÃO

Vendo coração.
R$ BEI.J00.00S,00.
Aceito cartas de amor.
Melhor localização.
Lado esquerdo do peito.
Bater silencioso.
Não safenado.
Ampla aorta.
Sangue arterial.
Aurículos perfeitos.
Ventrículos decorados.
Coronárias desentupidas.
Dono sentimental.
Muito por viver.
Única oportunidade.
Melhor investimento.
Nova paixão assegurada.
Garanta já sua felicidade.

(JL Semeador de Poesias, Lapa, em 07/04/2012)




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LI E RECOMENDO (5)






Memória de minhas putas tristes, de Gabriel Garcia Márquez (Prêmio nobel de literatura de 1982), editado pela Record em 2008, com tradução de Eric Nepomuceno é uma inesperada e surpreendente história de amor entre um ancião e uma ninfeta e se insere numa tradição da qual fazem parte Vladimir Nabokov de Lolita, Thomas Mann de Morte em Veneza e Yasunari Kauabata de A casa das belas adormecidas.

Um leitor mais atento vai encontrar nessa obra as principais referências e motivações desse hino de louvor à vida e, por extensão, ao amor, já que um não existe sem o outro no imaginário de Márquez. Apesar de parecer estranho, uma dessas chaves está no conto de fadas A bela adormecida, que, não por acaso, é citado em um momento crucial dessa narrativa ambientada em uma cidade colombiana imaginária, numa época que de tão remota parece imemorial.

A semelhança com a famosa fábula do escritor francês Charles Perrault fica mais explícita na adolescente, que aqui surge dormindo, como se estivesse à espera do seu príncipe encantado. Mas ela também está presente no velho jornalista, narrador dessas memórias, que vai viver cerca de cem anos de solidão embotado e embrutecido, escrevendo crônicas e resenhas maçantes para um jornal provinciano, dando aulas de gramática para alunos tão sem horizontes quanto ele, e, acima de tudo, perambulando de bordel em bordel, dormindo com mulheres descartáveis.

Só quando acorda ao lado da ainda pura ninfeta Delgadinha é que este personagem vai ganhar a humanidade que lhe faltou enquanto fugia do amor como se tivesse atrás de si um dos generais que se revezaram no poder da mítica Colômbia de Gabriel Garcia Márquez. O medo do amor é tão superlativo que o anti-herói dessas memórias vai preferir conviver com a mais terrível ameaça para o macho latino: o fantasma da impotência. E enquanto tivesse forças, resistiria ao poder do amor.

Parte desse medo se deve aos ridículos a que o amor nos expõe, aqui elevado à última potência em cenas como a que o ancião anda numa bicicleta cantando “com ares do grande Caruso”, ou aquela em que destrói um quarto de bordel. E por mais que lidemos com esse sentimento como se fosse um paletó dois números acima do nosso, apenas ele e tão somente ele, o amor, nos faz humanos, como desde tempos imemoriais a arte vem tentando provar. Seja nos boleros mais sentimentais, que ressoam nas paixões evocadas pelos grandes mestres da ficção, ou em obras-primas, como esta. Vale a pena ler! (Orelhas do livro)

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DA SÉRIE “NOSSA LÍNGUA”

Verbos na primeira pessoa do singular:

EU MEÇO             (medir)
EU CAIBO            (caber)
EU VALHO           (valer)
EU PULO              (polir)
EU COMPITO       (competir)
EU ADIRO            (aderir)
EU FREIO             (frear)
EU DIGIRO           (digerir)
EU SUO                (suar)
EU SOO                (soar)
EU ARGUO          (arguir)
EU EQUIVALHO  (equivaler)
EU ANSEIO          (ansiar)
EU RIO                 (rir)
EU OUÇO            (ouvir)


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ITAPEMA (02-08-1947)


Em Itapema não há senão praia e mar; rolos gelatinosos de algas, ríspidos galhos cor de bronze, repelidos pela vaga.

No inverno, após as pesadas chuvas e as longas ventanias, às vezes, se veem, ao comprido das areias, cadáveres de pinguins e velhos corvos de pescoço vermelho batendo as asas e grasnando em torno da carcaça de um golfim.

Mas é sempre a mesma paisagem: ondulações de matos batidos de vento ao lado da terra e que sobem para o alto de outeiros redondos e ramalhudos, onde as palmeiras, como enormes aranhas espetadas há ponta de paus, agitam as longas pernas esfiapadas e verdes.

E longe, muito longe, nos confins do oceano, entre o farol das Cabeçudas e a ponta de Porto Belo, um longo risco azul de ultramar parece arder como uma sarça, por que dele sobem, trêmulos e violáceos, fumos e névoas que se derretem na luz.


(Othon D’Eça, Sete Marinhas, Edições Sanfona, Floripa, 1985)



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CONFRARIA DO POEMA-pn

HÁ UMA CRATERA
NA BOCA
DO [MEU] ESTÔMAGO.
SOLTO O GRITO
DE PAVOR
DE TORPOR.

A CRATERA
QUE HÁ
NA BOCA
DO [MEU] ESTÔMAGO
SÓ AUMENTA –
ME [O] NSTRU [O].


(Pinheiro Neto, Nano poema, 07/11/2013)