sábado, 7 de junho de 2014

Edição nº. 60










PAPO NA CONFRARIA: JOÃO CARLOS MOSIMANN



1 - O que te motivou a escrever?
A prática da leitura na juventude é que acabou me motivando a escrever, inicialmente ensaios em jornais acadêmicos e, posteriormente, em revistas especializadas. Os livros vieram depois, normalmente fruto do trabalho de garimpo de arquivos e documentos históricos. Meu primeiro livro tratou de um caso criminal célebre que me intrigava desde minha adolescência e que implicou numa profunda pesquisa sobre os fatos – Tragédia e mistério na Villa Renaux.

2- Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?
Demian, de Hermann Hesse, que influenciou toda minha geração, ambientado em lugares da Alemanha e da Suiça que fiz questão de conhecer pessoalmente. Paris é uma festa, de Ernest Hemingway, uma viagem sentimental aos anos vinte, quando todos os caminhos levavam à capital francesa e O Processo de Franz Kafka, o humanismo do autor diante dos absurdos do aparelho judicial.

3- Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:

a)      Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) - Os meus fantasmas de Eglê Malheiros;
b)      Alunos do Ensino Médio - Mares e Campos de Virgílio Várzea;
c)      Alunos do Ensino Superior - Rocamaranha de Almiro Caldeira


4- Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

É natural e espontâneo, faz parte da rotina de vida, ativado pela memória ou pela observação dos fatos. Anota-se em qualquer papel e posteriormente desenvolve-se a ideia ou aprofunda-se a pesquisa. Complementa-se com informações através das novas mídias, utilizadas também na aquisição de obras, antes inacessíveis. Compro livros e garimpo documentos na Espanha, em Portugal, na França, na Austrália, sem sair de casa.

5- Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.
O setor público faz o que pode, mas nem sempre é criterioso. Embora tenha evoluído com a criação de alguns prêmios e editais, não há regularidade e depende sempre do caixa do Tesouro. Já o setor privado oferece oportunidades que, pelo que observo, não têm sido muito exploradas. Felizmente não tenho tido problemas no patrocínio de minhas pesquisas e livros.

6- Fale sobre o papel das Academias  de Letras em relação à Língua e à Literatura?
Cultivar a língua vernácula é seu papel primordial. Defender os valores da cultura, especialmente no campo literário, é sua missão estatutária e não menos importante. Resta exercê-los.

  
Engenheiro, professor e historiador, nascido em Brusque (SC), dedica seu tempo à pesquisa histórica, exercitando-a através da crônica, do ensaio e da crítica cultural e historiográfica. Colabora em jornais diários e em revistas especializadas. Autor do livro Tragédia e mistério na Villa Renaux, publicado em 2.000 pela Editora Insular, reeditado em 2.006. Concentrou esforços na pesquisa das incursões de navegadores europeus à Ilha de Santa Catarina no século 16, compondo a obra intitulada Porto dos Patos – A fantástica e verdadeira história da Ilha de Santa Catarina na era dos descobrimentos, editada em 2.002, em coedição com a Fundação Franklin Cascaes e reeditada em 2.004 (Ed. Autor). Em 2.003 publicou o livro Ilha de Santa Catarina - 1777-1778 – A invasão espanhola, com o apoio cultural da Tractebel, garimpando pioneiramente toda a documentação espanhola e portuguesa sobre aquele importante evento histórico. A mais recente obra, Catarinenses – Gênese e História, foi agraciada com o Prêmio Elisabete Anderle da Fundação Catarinense de Cultura, o prêmio de Personalidade Literária do Ano de 2.010 da Academia Catarinense de Letras e Artes e o Diploma de Mérito – Categoria História de 2.010 da Academia Catarinense de Letras. Sua última obra, Os aviadores franceses, a América do Sul e o Campeche, foi editada em 2012.



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HOMENAGEM AOS NAMORADOS: 12/06/2014






MARAVILHOSO POEMA DE GUILHERME DE ALMEIDA



A minha melhor lembrança é este instante no qual
pela primeira vez me entrou pela retina
tua silhueta provocante e fina
como um punhal.
Depois passaste a ser unicamente aquela
que a gente se habitua a achar apenas bela
e é quase banal.
Agora que te tenho em minhas mãos e sei
que teus nervos se enfeixam todos em meus dedos
E teus sentidos são cinco brinquedos
com que brinquei.
Agora que não mais me és inédita, agora
que compreendo que tal como te vira outrora
eu nunca te verei.
Agora que de ti por muito que me dês
já não me podes dar a impressão que me deste
a primeira impressão que me fizeste
louco talvez.
Tenho ciúme de quem não te conhece ainda
e cedo ou tarde te verá pálida e linda
pela primeira vez.


(Guilherme de Andrade e Almeida, nasceu em Campinas em 1890. Seus principais livros de poesia são Nós, 1917; A dança das horas, 1919; A frauta que eu perdi, 1924; Meu, 1925; Raça, 1925; Acaso, 1938; Poesia vária, 1947. Toda a poesia, em seis volumes, foi publicada em 1952.)




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POEMA: ESCRITA E LEITURA


" Na prática poética, use o seu ouvido. Para os poemas sem versos, use também o olho. Sinta as pulsações. Leia poemas em voz alta. Poema seus. E de outros. Grave no gravador. Ouça. Ouça. Torne a gravar. Ouça. Compare. Se precisar de mais de uma voz, chame os amigos.
O ritmo é uma sucessão ou agrupamento de acentos fracos e fortes, longos e breves. Esses acentos não são absolutos, mas relativos ou relacionais - variam de um caso para outro. O ritmo tece uma teia de coesão.
O ritmo pressupõe um jogo fundo/figura. No caso do som, o fundo é o silêncio. O contra-acento é a pausa. Trata-se de um silêncio ativo, não passivo e neutro. O silêncio é parte integrante da música e poesia. "

(PIGNATARI, Décio. In: O que é comunicação poética, 9. Ed. Ateliê Editorial - 2005. p.22.)




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DA SÉRIE “POETAS MULHERES” - 2








SUPLEMENTO DOMINICAL

Jornal de Domingo
O "mengo" jogou
O Sol fez um gol
A cidade se derreteu
Que pena você sozinha
Chorando lá na quarta geração.
Nasceu um menino
A mãe passa bem
Do pai não se fala
Nasceu um destino
Tem tinta e tem sangue
Na cara de mau
Ferida de bala de um marginal.
Mil barracas de feira, barracas de praia
Mil barricas de chopp, mil pernas pro ar,
Mil e um predicados nos classificados
E biquinis milhares correndo pro mar.
No segundo caderno alguém se entrevista
Entre a crista do dia
E a vida real.
Mostra a moça que mostra
O produto do meio
Um sorriso gigante de creme dental.
Amanhã o comércio vai abrir as portas
Liquidação, oferta de temporada.
Vai o mar de Domingo 
Invadir a semana
E outra vez a cidade
Será liquidada!

(Valeska Cabral/RJ/ poema premiado, Concurso Poesia na Escola 2013, CIEP Posseiro Mário Vaz)

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CACHORRA


Modelos impossíveis
Eu correndo atrás do vento
Eu dando volta em torno
Do meu próprio rabo

Uma cachorra louca
Em alta dose
Sem remédio
Homeopático

As visitas assustadas
Com tanto latido
Com tanto pulo
Com essa alegria órfã

Que sem retorno
Arranha pernas
E tem o sangue
Dos carrapatos.

(Adriane Garcia/BH, Face book, maio/2014)

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BALSÂMICO



o aroma que vem com você
___ artemísia
alecrim

reino que é pimenta picante
coentro
poró

raiz forte
_ quando a noite cair

e se o sal escorrer da retina
e a névoa 
o olfato alterar

< salvianis >




(Cláudia Gonçalves/RS,  Face book, 10/05/2014)




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DESAFORO

no outono
destoo
do todo


perco o tino
adquiro tutano
saio do tom


desafio
o destino


:


se for homem
vem comigo
ser flor

(Valéria Tarelho, SP/Face book, 23/05/2014)

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REPETIÇÃO 

              
A vida leva tudo
para o passado.
Embora a repetição
pareça com o que já vivemos,
o presente carrega
uma experiência de valor.
A coragem para ver o futuro
 é pura questão de vontade.
Quando a vida está suja,
limpamos outra vez.
O amor é volúvel,
até mesmo na recuperação.
Mas a química do amor próprio
deve ser o maior tesouro
na vitória da vida toda!

(Terezinka Pereira/EUA, Emeio, 31/03/2014)


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ESCRITURAS NO CORPO


Vem passear em mim
escreve teus versos 
letras versais 
na tua língua 
justificado no corpo
recua, apaga
percorre o espaço
saboreia o caminho das estruturas
o alinhamento
leia a primeira sílaba, 
mas ao ler a segunda
faz devagar 
prova o gosto da textualidade
leia em mim


(Cristina Martins Branco/RS/Face book, maio/2014)

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RECADO

Devolva-me aos poucos,
as poucas coisas do além-portão:

o vermelho do antúrio que me corava,
a canção do pássaro detetive na varanda,

os cinquenta por cento da manta que nos cobria
e também minha atlética alegria.

Ah... e desta matemática tola.

(Damáris Lopes, Poemas à flor da pele, vol. 7, 2013, Somar)



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 SEIVA 
                 
         
             Caminho na larga avenida
     
             nessas horas de maio
   
              com restos de verão

           
              A natureza derrama
      
              tanta cor
              
              tanta graça

            ( Apesar das desgraças ! )

             
            que tenho a ilusão
    
            de que os desacertos
            
            do mundo 
            acertaram-se aqui .
             
           (Tânia Francalacci Shambeck/SC, abril/2014) 
            
            



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HUMILHADO E OFENDIDO (crônica)


Esquece o Dostoiévski...
Vários fatores me fizeram vir para a cidade onde estou. Todos os meus ancestrais saíram daqui e voltei. Sou apegado à família. Basta dizer que tudo o que faço gira em torno deste núcleo sem o que, acredito, pouco faz sentido.
Aluguei uma casa (até construir a minha do meu jeito) e logo pedi para o proprietário por grades nas janelas. Ele afirmou que aqui não havia problemas, jamais no tempo em que habitou o lugar houve sequer um indício de violação de domicílio.

Consegui com muito custo incluir uma grade em uma das laterais da casa para nivelar com o conjunto que dava no portão eletrônico.

Talvez ele estivesse certo, nos 26 meses anteriores parecia o paraíso.
Eis que depois de uma semana ausente chego em casa num domingo, 17h30min na expectativa de ver o meu clube jogar e terminar um período que tinha sido muito bom junto com a família.
 
Para surpresa minha, encontro uma das portas lateral escancarada e luzes acesas, a janela da cozinha arrombada... Tenha calma, penso... Todas as gavetas da residência estavam abertas, colchões revirados, roupas amontoadas em cima das camas, do chão... Um caos... Uma vistoria breve, a constatação das perdas e aquela sensação de impotência. 

Esqueço o jogo e vou atrás da polícia. Eles são rápidos e prestativos. Fizemos o Boletim da Ocorrência, o de praxe...
 
Depois, aquele vazio... Nunca me senti tão desgraçado na vida... Não é pelo que me furtaram, televisão, celular... Matéria, enfim... É pela invasão do meu mundo, do meu canto... Pela sordidez da ação... E quando me perguntam do que sinto falta, digo logo, meus amigos, é da esperança... Nada mais infeliz do que perder a esperança... A crença em nosso semelhante...

No dia seguinte me surpreendo pondo uma corrente e um cadeado em todas as janelas da casa... Não contente, contrato uma empresa de segurança e incluo um sensor em cada dependência interna e também um monitoramento na parte externa...

Ontem pela manhã enquanto tomava o café observei com olhar vago, aquela corrente na abertura em frente, em situação normal a janela estaria aberta, e fui tomado por um desespero doentio... Como então, eu estava me acorrentando em meu próprio domicílio? Estava preso, amedrontado, cético, descrente, tentando dominar uma energia interior que me poderia converter em um ser violento semelhante a tudo o que sempre combati em vida... Que sensação era aquela? 

Acordo de madrugada com a solidão dos malditos, dos desesperados... Sinto todo o absurdo da existência... Observo no criado mudo, os três volumes dos Cadernos do Camus, o intérprete do que estou sentindo na carne... Forço o riso, a histeria do filho que perde a mãe e tem vontade de urrar em seu velório... Estou na cama onde o assaltante da véspera, buscando recursos para coroar-lhe o vício, espalhou uma caixa de fotografias de família e lembro-me de uma, um instantâneo de minha mãe sorrindo, jogada ali em cima, afastada das outras... E ainda resistindo à insanidade, apanho aquele retrato e já não tenho mais ternura na voz, apenas uma vontade de confessar (quando me lembro dos meus pais): como estamos piorando o mundo que vocês nos deixaram!


 (Olsen Jr./SC, Diário da Província, 25/maio/2014)







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LI E RECOMENDO (6)




A CASA DAS BELAS ADORMECIDAS  (Yasunari Kawabata)

Sucesso de público e crítica no mundo inteiro, A casa das belas adormecidas, é um marco da literatura japonesa e mundial. Publicado pela Editora Estação Liberdade, de São Paulo, em 2004, com tradução do japonês Meiko Shimon, com 124 páginas, “foi citado na epígrafe de Memória de minhas putas tristes” do recém falecido e recomendado por duas vezes por mim, neste espaço, Gabriel Garcia Marques, “ e fornecido o mote a partir do qual Gabriel pôs fim a um período de dez anos longe dos romances”. Foi exatamente por isso, e por não conhecer a obra de Kawabata é que saí como um louco atrás de tal “Casa”. Encontrei-o apenas num sebo. Livraria alguma de Floripa possui um único exemplar.
É objeto de consenso na crítica literária mundial que Yasunari Kawabata descreveu com meticulosa concisão as profundezas da alma feminina e revelou o corpo da mulher em seu mais sutil esplendor. Dono de uma capacidade de observação única, nenhum detalhe, nenhuma verdade escapam de seu olhar incomum. Especificamente nesse romance, Kawabatta dedicou-se obsessivamente a esta marca de sua literatura. Imbuído do matsugo no me, que talvez pudéssemos traduzir por “o olhar derradeiro”, ele nos dá a impressão de pintar em cores vivas as últimas imagens de quem vai deixar este mundo.

A sexualidade na idade madura aflora nua e crua num cenário composto para o deleite de quem não mais pode procura-lo por conta própria. Contrapartida mais fantasiosa e ao mesmo tempo mais radical, apresenta um inegável parentesco com Diário de um velho louco, de Jun’ichiro Tanizaki, outro grande mestre da literatura japonesa moderna. Se este último tata da sensualidade a priori contida que acomete um idoso no cotidiano, Kawabata nos leva aqui em singela exploração sensorial do corpo feminino oferecido em estado de torpor controlado. Os meandros da sexualidade – assim como a inexistência dela – em situações limite, da repressão do desejo e do autocontrole exacerbado compõem um jogo perverso que assume todo seu significado quando o protagonista tem de lidar com a noção de virgindade em seu sentido mais amplo. Temos aqui um indício de até que ponto Kawabata, sempre fiel a si mesmo, foi deliberadamente aos alicerces das estruturas mentais. Yukio Mishima, que louvava Kawabata, escreveu de forma reveladora em seu prefácio à edição norte americana desta obra: “ E será que a impossibilidade de obtenção não coloca definitivamente o erotismo e a morte no mesmo nível? E se nós romancistas não estamos do lado da ‘vida’ (se estamos confinados a uma abstração de certo tipo de neutralidade perpétua), então ‘a radiação da vida’ somente pode aparecer onde morte e erotismo caminham juntos”.

Prêmio Nobel de 1968, Yasunari Kawabata é considerado um dos representantes máximos da literatura japonesa do século XX. Nascido em Osaka em 1899, interessou-se por livros ainda adolescente, principalmente clássicos do Japão, que viriam a ser uma de suas grandes inspirações.
Estudou literatura na Universidade Imperial de Toquio e foi um dos fundadores da Bungei Jidai, revista literária influenciada pelo movimento modernista ocidental, em particular o surrealismo francês.
Ao contrastar o ritmo harmônico da natureza e o turbilhão da avalanche sensorial, Kawabata forjou insólitas associações e metáforas táteis, visuais e auditivas que surpreendem por revelar os processos de fragilização do ser humano diante do cotidiano, numa composição surrealista de elementos da cultura e filosofia orientais, personagens acuados e cenários inóspitos.

Um pequeno trecho do romance: “Completamente fora de si, o velho Eguchi esquecera que a garota era a oferenda ao sacrifício, e procurou com o pé as pontas dos pés dela. Somente ali ele ainda não havia tocado. Os dedos eram longos e moviam-se graciosos. As articulações, de modo semelhante às dos dedos das mãos, ora se dobravam ora se desdobravam, o que já bastava para exercer em Eguchi a forte sedução de mulher misteriosa.”




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CONFRARIA DO [meu] POEMA-pn


Não há tempo.

O hoje precisa ser sorvido
já, sem perguntas,
     sem cobranças.

Vê a história do homem. 

O instante é fa[e]tal
morte e vida sempre juntas
                     [des]caminham.

Não há tempo.

O espaço da ânsia é agora.
Não há tempo.
A dialética dos corpos
                     limpos, nus,
precisa ser provada
                  (com sabor)
pelo menos uma vez.


(Mo[vi]mento 2, Pinheiro Neto, A rosa do verso, 1988)