ROSANE
CORDEIRO DA SILVA
1- O
que te motiva a escrever?
Dois são os motivos para eu escrever:
a inquietude do cotidiano: um fato, uma notícia, um momento triste ou alegre, e
a vontade de ser, ou não, eu mesma.
2- Cite
os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?
a)
“Memórias
Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis
b)
“Evocações”
de Cruz e Sousa
c) “A Trilogia
Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona” de Sófocles
3- Indique
um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:
a) Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª
séries)
“Capitu, Memórias Póstumas”, de
Domício Proença Filho
b) Alunos do Ensino Médio
“A Vida que ninguém vê” de Eliane Brum
c) Alunos do Ensino Superior
“Ensaio sobre a Cegueira”
de José Saramago
4-
Como se
dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?
Em geral,
quando as ideias surgem, sou obrigada a colocá-las no papel, para que não
fujam. Por isso carrego comigo sempre um bloco para anotá-las seja em um
ônibus, em uma fila de banco, ou ainda em um velório. Sou, de certa forma, “manipulada” pelas palavras
que vêm sem pedir licença. E isso é bom demais, pois elas me proporcionam um
alívio quando se transformam em textos. Não sou muito engraçada quando escrevo,
prefiro a reflexão ao humor, mas este algumas vezes dá o ar de sua graça.
Apesar de ser professora de Português, na escrita sempre me sinto atraída por
um jeito Leminski de ser: livre. Com um
papel e uma caneta (ou ainda um computador), escrevo, penso, reescrevo,
remendo. É assim, um processo às vezes demorado e difícil, outras vezes,
bastante tranquilo.
5- Fale
sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.
Ainda há pouco
apoio, e isso não é algo estranho em uma sociedade que pouco lê e visa ao lucro.
Quando publiquei “Teatro do Cotidiano”, fiquei chocada com a forma que o autor
catarinense é tratado nas livrarias que promovem, logicamente, apenas os best
sellers, desvalorizando os escritores locais, que não estão na mídia, afinal,
são manés, não norte-americanos, e não dizem que santo da casa não faz
milagre? Além disso, há alguns editais
nas fundações de cultura, mas a falta de divulgação, o excesso de burocracia e
a política não contribuem para o sucesso de alguns projetos e/ou escritores. Não
seria novidade alguma afirmar que investir em cultura nunca foi prioridade em
Santa Catarina, nossos acervos estão se perdendo, basta visitar a Biblioteca Pública
do Estado para verificar a situação em que se encontra nosso patrimônio, então,
para que mais literatura? Enfim, é fato, um país que trata mal seus professores
não pode tratar bem seus escritores.
6- Fale
sobre o papel das Academias de Letras em relação à Língua e à Literatura?
As Academias
de Letras são fundamentais para que escritores, de gêneros variados, tenham a
oportunidade de discutir e fazer literatura. É um espaço essencial para a
interação de escritores, bem como para a valorização de publicações de autores
locais. Além disso, nesse espaço, acadêmicos podem interagir com a comunidade,
desenvolver projetos e, lógico, incentivar a leitura. Em São José, por exemplo,
a ASAJOL, Academia São José de Letras abre e apresenta um varal literário com
produções dos acadêmicos e doa livros à comunidade. Esse encontro acontece no
2º domingo do mês em uma feira cultural no Centro Histórico.
Sobre Rosane:
Manezinha de alma, coração e certidão
de nascimento, Rosane Cordeiro da Silva é a sétima filha de uma família que
construiu história na rua Menino Deus em
Florianópolis.
O gosto pela leitura e pela escrita
levaram-na ao curso de Letras na UFSC. No Mestrado desenvolveu uma pesquisa
sobre o satírico na Desterro do final do século XIX e, no Doutorado, orientada
por Lauro Junkes, defendeu tese sobre a prosa de Cruz e Sousa. Publicou, em
2014, o livro de crônicas, “Teatro do Cotidiano”, mas escreve também poesia,
contos e letras de música.
Tem publicado artigos nos
jornais Ô Catarina e Diário Catarinense. No blog:
“Olhares cotidianos”(http://rosanecordeiro.simplesite.com.br/),
apresenta textos sobre fatos corriqueiros que muito têm intrigado o brasileiro
deste século.
Foi professora efetiva da rede estadual de ensino, mas hoje trabalha
apenas na rede particular. No Curso “Inovador, Redação sem Dor”, prepara alunos
para escrever os mais variados gêneros textuais.
Ocupa a cadeira 06 da Academia São
José de Letras.
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
DA SÉRIE “POETAS MULHERES” – 12
JE SUIS POEMA
CANTO DA AMANTE AMADA
Ainda trazendo sol e
sal
além do ímpeto e da
esperança
chegou o Amado.
É alvo o leito e o
instante é alvo
porque desatado
de tudo o que antes
turvava o amor.
Nada conspurca
incompleta ou
ensombra
meu festim da entrega
e o total carinho
pela noite alta
me faz tão sagrada
que me julgo a terra.
Ah, eu sei que – um
dia – estarei derramada
em cinzas pelas
companheiras rosas
mas – antes – rosas
brotarão de mim.
[MAURA DE SENNA PEREIRA, A dríade e os dardos, Livraria São José, 1978, pg. 141]
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
CÓDIGO
sou
de
morse
:
te
traço
e
ponto
[VALÉRIA TARELHO, Livro da Tribo, São Paulo, 2013, pg. 294]
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
SONHO VAGO
O tempo também é um sonho
Que nossa ilusão afaga
As marés da vida levam embora
Para além de toda a vaga
Grata aos mistérios do início
Somos onda sol e procura
Na noite trevas e sacrifícios
Numa psicose de loucura.
Sonho que sou um barco
Há um anjo que me segura
Além das flechas de meu arco
Sob um céu ermo de ternura.
[ VANI CAMPOS, Relicário, Somar, Porto Alegre, 2014, P. 23]
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
DIA DE INVERNO
Oh!
noites frias e insones
em
que a tua lembrança cresce
nesta
saudade que não passa,
que
não passa nunca!
Esperanças
longínquas
desfeitas
no tempo
que,
indiferente, apaga tudo ao seu redor.
E
deixa este silêncio,
este
vazio,
esta
angústia pertinente
que
nos nos faz sentir cada vez mais só!
[
Silvia Amélia, Poemas do meu caminho,
ACL, 1993, p. 69]
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
VINHO DO PORTO
Do camaleão afoito
Parte o porto.
Vem ao cais
Buscar sossego, afirmação.
Dançando na garganta,
À borda do cálice,
Eu respiro.
Tenho seu grito.
[ Rita Raphael, Da sedução, da intimidade, do mundo, Editora Cepec, Florianópolis,
1988, p. 15]
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
TUA AUSÊNCIA
Na noite insone a que o amor pletora
- Os meus sentidos todos de ti cheios –
Cada minuto se transforma em hora,
E cada hora um dia é de anseios:
As minhas mãos, em lúbricos meneios,
Buscando-te, se perdem leito afora;
Meu coração, arfando nos meus seios,
A maciez da tua boca implora,
E, trêmulos, os lábios entreabertos
Os teus procuram nos lençóis desertos;
O peito opresso, a voz febril, gemente,
Sussurra, estertórica o teu nome...
Em vão o amor em chamas me consome:
Ninguém me ouve, tu estás ausente
[ Leatrice
Moellmann, Confissões de amor, Editora Insular, Florianópolis, 2015, p. 34]
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
LI E
RECOMENDO (12)
ANA CRISTINA
CÉSAR poética
Há uns dias, em plena madrugada, sem sono
algum, com o controle da tv buscando algum programa que prestasse, deparei-me
com a declamação de um poema pelo ator Paulo José. Surpreendido, primeiro
pela leitura de um poema numa emissora
de tv, segundo por perceber que tratava-se de um programa sobre
Literatura Brasileira, abandonei o controle remoto. Encontrei o que procurava. A emissora? O Canal Brasil.
Como peguei o “bonde andando”, demorei um
pouco para saber o nome do poeta, (no caso da poeta), que estava sendo
apresentada no programa. Após aguardar o suplício dos comerciais, fiquei
sabendo que a poeta era Ana Cristina Cesar. Os depoimentos de amigos da autora
e de poetas contemporâneos, bem como a
declamação de mais poemas realmente mexeram comigo. Deixaram-me preso (no bom
sentido) ao programa a ponto de ficar indignado quando terminou.
Embora já tivesse ouvido falar em Ana Cristina
Cesar, percebi naquele momento que possuía nenhum livro dela em minha
biblioteca e, o mais lamentável, não havia lido nada daquela poeta cujos versos
e cuja história de vida tanto me tocavam naquele momento. Fui dormir com o
firme propósito de resolver o problema o mais rápido possível. Confesso que
demorei muito para pegar no sono, o que ocorreu apenas às quatro da manhã.
Sem deixar passar mais um dia sequer, fui na
manhã seguinte a uma livraria do centro
da cidade e adquiri um exemplar do livro Poética
/ Ana Cristina Cesar. O livro, com 503 páginas, editado pela Companhia das
Letras de São Paulo em 2013, tem como curador editorial Armando Freitas Filho,
que também é o apresentador da obra. A capa e o projeto gráfico são de Elisa
von Randow e a foto da capa, de Cecília Leal, pertence à coleção da própria Ana
Cristina Cesar e tudo pertence ao acervo
do Instituto Moreira Salles.
Uma das coincidências da vida: Ana Cristina
Cesar faleceu no dia 29 de outubro de 1983, data em que este poetinha
completava 35 anos.
A obra está assim estruturada: Apresentação de
Armando Freitas Filho (p.7); Cenas de abril (poesia, 1979 – p. 15);
Correspondência completa (1979 – p.45); Luvas de pelica (1980 – p.53); A teus
pés: prosa/poesia (1982 – p. 75); Inéditos e dispersos: poesia/prosa (1985 –
p.125); Antigos e soltos: poemas e prosas da pasta rosa (2008 – seleção, p.125);
Visita à oficina 9 p. 403); Posfácio, Viviane Bosi (p. 425); Apêndice (p. 433);
Cronologia (p. 491); Créditos das imagens (p. 497); Índice de títulos e
primeiros versos (p. 498).
Sobre a obra, seleciono, a seguir, algumas
passagens da apresentação feita por Armando Freitas Filho:
1- “Em Cenas de
abril, de 1979, uma poesia tocante e
pungente apareceu como que escrita não nas linhas, mas nas entrelinhas dos
sentidos. O acaso da construção alterava a estrutura esperada do poema. O livro
de estreia era magro e, na aparência, insuficiente para matar a fome de quem o
lia e relia, a princípio curioso com os enigmas de uma poética densa que exigia
uma leitura refletida, mastigada: nem todos os enigmas se resolviam, pois quem
disse que tudo tem solução?” (p.7)
2-
“ No livro seguinte, Correspondência completa, a poeta se
abreviou ou se mascarou como Ana Cristina C., ‘singular e anônima’ como tão bem
definiu Silviano Santiago, em ensaio seminal sobre sua poesia. Uma tentativa
talvez, de criar ao menos um vínculo, por mais epidérmico que fosse, com alguns
dos seus companheiros de geração que costumavam assinar a autoria com apelidos
sem pompa nem circunstância.” (p.9)
3- “Luvas de
película” são inglesas, de 1980. O livro é assinado por Ana Cristina C. A
capa reproduz um desenho de Bia Wouk de uma figura feminina que o tempo
esmaeceu, na reprodução e fora dela. É a impressão que dá, devido ao sentimento
de perda., melancolia e desnorteio que encontramos na narrativa. Neste volume,
o antigo desejo de escrever um romance, que chegou a ser esboçado n’ “O Livro”
(uma das seções de Antigos e soltos)
dá seu primeiro passo através de um texto híbrido, flutuante, mal saído do
rascunho, que conjuga com perfeição o poema, a prosa, o diário, a carta, a
anotação para ser usada ou não, pitadas de ensaio, num verdadeiro mélange adultere de tout , como dizia
Corbière:” (p.10)
4- Eliminou a abreviatura, tirou a máscara dos óculos
escuros, recuperando sua identidade como poeta se disfarces, e publicou A teus pés, em 1082. O volume se inicia
com uma coletânea inédita que dá título ao livro e reúne os anteriores
revistos. O aspecto “caseiro” das edições independentes é suprimido: a “Equipe
do coração” no colofão de Cenas de abril e a “2ª edição” de Correspondência completa desaparecem. No primeiro caso, fica a
ficha técnica pura e simples, sem “coração”, e no segundo, some o registro
bibliográfico falso da edição princeps, que poderia continuar a ser verdadeira,
então.” (p.12)
5- “Depois disso, tudo foi póstumo sem a sua mão
ordenadora. Inéditos e dispersos, arrancado
de quatro caixas de papelão deixadas aqui em casa por seus pais atendendo à
ordem expressa dela e Antigos e soltos,
descoberto a posteriori e organizado com esmero e sabedoria por Viviana Bosi.
Seus textos de ensaio, crítica, tradução, dissertações acadêmicas,
correspondência que venham a ser publicados depois completarão a obra, sempre
incompleta.” (p.13)
SOBRE A AUTORA
Ana Cristina Cruz Cesar (Rio de Janeiro, 2 de
junho de 1952 — Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1983), poeta e tradutora brasileira, conhecida como Ana
Cristina Cesar (ou Ana C.) é considerada um dos principais nomes da geração
mimeógrafo da década
de 1970, e tem o seu nome muitas vezes vinculado ao movimento de Poesia Marginal.
Filha do sociólogo e jornalista Waldo Aranha Lenz Cesar e
de Maria Luiza Cruz, nasceu em uma família culta e protestante de classe média.
Tinha dois irmãos, Flávio e Filipe.
Antes mesmo de ser alfabetizada, aos seis anos de idade, já ditava poemas para sua mãe. Em 1969, Ana Cristina Cesar viajou à Inglaterra em
intercâmbio e passou um período em Londres,
onde travou contato com a literatura em língua inglesa.
Quando regressou ao Brasil, com livros de Emily Dickinson, Sylvia Plath e
Katherine Mansfield nas malas, dedicou-se a escrever
e a traduzir, entrando para a Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC-RJ), aos dezenove anos.
Começou a publicar poemas e textos de prosa poética na década de 1970 em coletâneas, revistas e jornais alternativos.
Seus primeiros livros, Cenas de Abril e Correspondência
Completa, foram lançados em edições independentes. As atividades de Ana
Cristina não pararam: pesquisa literária, mestrado em comunicação
pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ),
outra temporada na Inglaterra para um mestrado em tradução literária (na Universidade de
Essex), em 1980, e a volta ao Rio, onde publicou Luvas
de Pelica, escrito na Inglaterra. Em suas obras, Ana Cristina Cesar mantém
uma fina linha entre o ficcional e
o autobiográfico.
Cometeu suicídio aos
trinta e um anos, atirando-se pela janela do apartamento dos
pais, no oitavo andar de um edifício da rua Tonelero, em Copacabana.
Armando Freitas
Filho, poeta
brasileiro, foi o melhor amigo de Ana Cristina Cesar, para quem ela deixou a
responsabilidade de cuidar postumamente das suas publicações. O acervo pessoal
da autora está sob tutela do Instituto Moreira
Salles. A família fez
a doação mediante a promessa de os escritos ficarem no Rio de Janeiro. Contudo,
sabe-se que muitas cartas de Ana Cristina Cesar foram censuradas pela família,
principalmente as recebidas do escritor Caio Fernando Abreu.
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
DA SÉRIE “EU SOU POEMA”
HÁ CERTO DESVIO DA
LUZ
Há
certo desvio da luz
nas
tardes invernais
que
oprime, tal o peso
de
músicas em catedrais.
Fere-nos
celestialmente,
não
vemos qualquer cicatriz,
só
o íntimo entendimento
que
o sentido nos diz.
Nada
podemos ensinar-lhe.
Selado
desesperar -,
Imperativa
aflição
que
nos chega pelo ar.
Quando
vem, a paisagem escuta,
prendem
as sombras o alento.
Quando
vai, é como o olhar
da
morte em distanciamento.
[Emily Dickinson, tradução livre de Silveira de Souza especialmente para este
blogue]
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
DA SÉRIE “CRÔNICAS, CONTOS E OUTROS”
A
MEDIDA É O GOZO
Hoje vim para dizer que
não quero as meias verdades, as meias palavras, os meios sentimentos. Hoje
quero a redondeza da Terra, o caminho com começo, meio e fim, o salto com
impulso, velocidade e alvo.
Com a voracidade definida, o querer afiado, não desejo mais as fatias, mas o bolo inteiro, com glacê, calda e cereja. O beijo com saliva e língua. O abraço pleno com direito a mergulhar no outro. O passeio com sol e sorvete, a atmosfera leve como as manhãs da infância. Porque na infância, antes que nos contaminem a liberdade, temos noção dessa inteireza que a maturidade nos rouba, porque o adulto é um craque em escamotear a si mesmo, dissimular emoções, conter o choro, medir o riso, evitar os excessos, neutralizar instintos, viver o possível.
Então, vim para dizer que querer demais faz bem. Que aquele que só se doa pela metade, no fundo, não dá nada de si, não pega a estrada com a gana do aventureiro, do cigano que não tem terra a perder, do nômade que não se fixa porque tem horizontes.
Hoje quem tiver a disposição da entrega será meu honroso convidado. Pode vir ao banquete, comer e beber as iguarias, servir-se do pomar de doces frutos pendentes, no ponto de serem apanhados sem risco de nódoas de amargar a língua, sem risco do engodo dos sentimentos verdes, das flores sem pólen, dos favos sem mel.
Hoje a minha medida é o gozo e quem quiser menos que isso, por favor, saia do caminho, porque a vida não admite conta-gotas nem escorre em filetes. A vida molha, inunda, fertiliza, multiplica. A vida é o mistério da reprodução sem fim.
(Célia Musilli – SP`, Todas as Mulheres em Mim, Atrito Arte, 2010)
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
DA
SÉRIE “NOSSA LÍNGUA”
GAFES
TELEVISIVAS
Isso
endoida a gente.
Dependendo
de como se pronuncie essa forma verbal, isso realmente endoida a gente. O verbo endoidar
não tem forma com ói. Vamos ler,
então:
Isso
endoida a gente. (endôida)
Certas
gafes endoidam qualquer um.
(endôidam)
Vocês
querem que eu endoide? Venham me
oferecer um computador tira-teima...
Quem
viu um jornal noturno da televisão percebeu o seu correspondente nos Estados
Unidos anunciar assim o filme de Anthony Perkins:
Perkins
é um tarado incorrigível. Basta aparecer uma loira, que ele endóida completamente.
E
então? Isso não endoida a gente,
caro leitor?
[ Luiz Antônio Sacconi, Gafite, nº. 1, abril
1987, Nossa Editora, p. 14]
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
Atire
a primeira pedra
quem nunca cometeu um pleonasmo!
Autor: "Anônimo Desconhecido" (Já
é o primeiro pleonasmo)
Você já
"pleonasmou" hoje?
Todos os
portugueses (ou quase todos) sofrem de "pleonasmite", uma doença
congênita para a qual não se conhecem nem vacinas nem antibióticos. Não tem
cura, mas também não mata. Mas, quando não é controlada, chateia (e bastante)
quem convive com o paciente.
O sintoma desta doença é a verbalização de pleonasmos (ou redundâncias) que, com o objetivo de reforçar uma ideia, acabam por lhe conferir um sentido quase sempre patético.
Definição confusa? Aqui vão quatro exemplos óbvios: "Subir para cima", "descer para baixo", "entrar para dentro" e "sair para fora".
Já se reconhece como paciente de pleonasmite? Ou ainda está em fase de negação? Olhe que há muita gente que leva uma vida a pleonasmar sem se aperceber que pleonasma a toda a hora.
Vai dizer-me que nunca "recordou o passado"? Ou que nunca está atento aos "pequenos detalhes"? E que nunca partiu uma laranja em "metades iguais"? Ou que nunca deu os "sentidos pêsames" à "viúva do falecido"?
Atenção que o que estou a dizer não é apenas a minha "opinião pessoal". Baseio-me em "factos reais" para lhe dar este "aviso prévio" de que esta "doença má" atinge a "todos sem exceção".
O contágio da pleonasmite ocorre em qualquer lado. Na rua, há lojas que o aliciam com "ofertas gratuitas". E agências de viagens que anunciam férias em "cidades do mundo". No local de trabalho, o seu chefe pede-lhe um "acabamento final" naquele projeto. Tudo para evitar "surpresas inesperadas" por parte do cliente. E quando tem uma discussão mais acesa com a sua cara metade, diga lá que às vezes não tem vontade de "gritar alto": "Cala a boca!"?
O que vale é que depois fazem as pazes e vão ao cinema ver aquele filme que "estreia pela primeira vez".
E se pensa que por estar fechado em casa ficará a salvo da pleonasmite, tenho más notícias para si. Porque a televisão é, de "certeza absoluta", a "principal protagonista" da propagação deste vírus.
Logo à noite, experimente ligar o telejornal e "verá com os seus próprios olhos" a pleonasmite em direto no pequeno ecrã. Um jornalista vai dizer que a floresta "arde em chamas". Um treinador de futebol queixar-se-á dos "elos de ligação" entre a defesa e o ataque. Um governante dirá que gere bem o "erário público". Um ministro anunciará o reforço das "relações bilaterais entre dois países". E um qualquer "político da nação" vai pedir um "consenso geral" para sairmos juntos desta crise.
E por falar em crise! Quer apostar que a próxima manifestação vai juntar uma "multidão de pessoas"?
Ao contrário de outras doenças, a pleonasmite não causa "dores desconfortáveis" nem "hemorragias de sangue". E por isso podemos "viver a vida" com um "sorriso nos lábios". Porque um Angolano a pleonasmar, está nas suas sete quintas. Ou, em termos mais técnicos, no seu "habitat natural".
Mas como lhe disse no início, o descontrolo da pleonasmite pode ser chato para os que o rodeiam e nocivo para a sua reputação. Os outros podem vê-lo como um redundante que só diz banalidades. Por isso, tente cortar aqui e ali um e outro pleonasmo. Vai ver que não custa nada. E "já agora" siga o meu conselho: não "adie para depois" e comece ainda hoje a "encarar de frente" a pleonasmite!
Ou então esqueça este texto. Porque afinal de contas eu posso estar só "maluco da cabeça".
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
DA SÉRIE “POEMAS
VISUAIS”
[Poema visual de Pinheiro Neto/SC]
**************************************************************
[Poema visual de Fátima Queiroz/SP]
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
O MELHOR LIVRO DE POEMAS QUE ESCREVI
POUQUÍSSIMOS PODERÃO LER NESTA VIDA.
ELE ESTÁ IMPRESSO NO MEU CORAÇÃO! E TU, COM CERTEZA ESTÁS LÁ, EM TODOS
OS VERSOS QUE NÃO FORAM PUBLICADOS.
ELE ESTÁ IMPRESSO NO MEU CORAÇÃO! E TU, COM CERTEZA ESTÁS LÁ, EM TODOS
OS VERSOS QUE NÃO FORAM PUBLICADOS.
(Pinheiro Neto)
X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X-X
CONFRARIA
DO [meu] POEMA-pn
Na
trama
Na
trança
O verso
Branco
Ou
livre
Trancafia
No
peito
O algoz
Do teu
Coração.
(Pinheiro Neto, Poema 16, inédito,
agosto 2013)