sexta-feira, 19 de junho de 2015

Edição nº. 72

PAPO NA CONFRARIA:





ROSANE CORDEIRO DA SILVA



1-    O que te motiva a escrever?

Dois são os motivos para eu escrever: a inquietude do cotidiano: um fato, uma notícia, um momento triste ou alegre, e a vontade de ser, ou não, eu mesma.

2-    Cite os TRÊS livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?

a)    “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis
b)    “Evocações” de Cruz e Sousa
c) “A Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona” de Sófocles

3-    Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:

a)    Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)
“Capitu, Memórias Póstumas”, de Domício Proença Filho
b)    Alunos do Ensino Médio
“A Vida que ninguém vê” de Eliane Brum
c)    Alunos do Ensino Superior
“Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago

4-     Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?

Em geral, quando as ideias surgem, sou obrigada a colocá-las no papel, para que não fujam. Por isso carrego comigo sempre um bloco para anotá-las seja em um ônibus, em uma fila de banco, ou ainda em um velório. Sou,  de certa forma, “manipulada” pelas palavras que vêm sem pedir licença. E isso é bom demais, pois elas me proporcionam um alívio quando se transformam em textos. Não sou muito engraçada quando escrevo, prefiro a reflexão ao humor, mas este algumas vezes dá o ar de sua graça. Apesar de ser professora de Português, na escrita sempre me sinto atraída por um jeito Leminski de ser: livre.  Com um papel e uma caneta (ou ainda um computador), escrevo, penso, reescrevo, remendo. É assim, um processo às vezes demorado e difícil, outras vezes, bastante tranquilo.

5-    Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à literatura.

Ainda há pouco apoio, e isso não é algo estranho em uma sociedade que pouco lê e visa ao lucro. Quando publiquei “Teatro do Cotidiano”, fiquei chocada com a forma que o autor catarinense é tratado nas livrarias que promovem, logicamente, apenas os best sellers, desvalorizando os escritores locais, que não estão na mídia, afinal, são manés, não norte-americanos, e não dizem que santo da casa não faz milagre?  Além disso, há alguns editais nas fundações de cultura, mas a falta de divulgação, o excesso de burocracia e a política não contribuem para o sucesso de alguns projetos e/ou escritores. Não seria novidade alguma afirmar que investir em cultura nunca foi prioridade em Santa Catarina, nossos acervos estão se perdendo, basta visitar a Biblioteca Pública do Estado para verificar a situação em que se encontra nosso patrimônio, então, para que mais literatura? Enfim, é fato, um país que trata mal seus professores não pode tratar bem seus escritores.

6-    Fale sobre o papel das Academias  de Letras em relação à Língua e à Literatura?

As Academias de Letras são fundamentais para que escritores, de gêneros variados, tenham a oportunidade de discutir e fazer literatura. É um espaço essencial para a interação de escritores, bem como para a valorização de publicações de autores locais. Além disso, nesse espaço, acadêmicos podem interagir com a comunidade, desenvolver projetos e, lógico, incentivar a leitura. Em São José, por exemplo, a ASAJOL, Academia São José de Letras abre e apresenta um varal literário com produções dos acadêmicos e doa livros à comunidade. Esse encontro acontece no 2º domingo do mês em uma feira cultural no Centro Histórico. 
           

Sobre Rosane:
                   
Manezinha de alma, coração e certidão de nascimento, Rosane Cordeiro da Silva é a sétima filha de uma família que construiu história na rua Menino Deus  em Florianópolis.

O gosto pela leitura e pela escrita levaram-na ao curso de Letras na UFSC. No Mestrado desenvolveu uma pesquisa sobre o satírico na Desterro do final do século XIX e, no Doutorado, orientada por Lauro Junkes, defendeu tese sobre a prosa de Cruz e Sousa. Publicou, em 2014, o livro de crônicas, “Teatro do Cotidiano”, mas escreve também poesia, contos e letras de música.

Tem publicado artigos nos jornais Ô Catarina e Diário Catarinense. No blog: “Olhares cotidianos”(http://rosanecordeiro.simplesite.com.br/), apresenta textos sobre fatos corriqueiros que muito têm intrigado o brasileiro deste século. 

Foi professora efetiva  da rede estadual de ensino, mas hoje trabalha apenas na rede particular. No Curso “Inovador, Redação sem Dor”, prepara alunos para escrever os mais variados gêneros textuais.

Ocupa a cadeira 06 da Academia São José de Letras.




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DA SÉRIE “POETAS MULHERES” – 12

  


[Arte no café de Michele Espíndola]




JE SUIS POEMA




CANTO DA AMANTE AMADA


Ainda trazendo sol e sal
além do ímpeto e da esperança
chegou o Amado.
É alvo o leito e o instante é alvo
porque desatado
de tudo o que antes
turvava o amor.

Nada conspurca
incompleta ou ensombra
meu festim da entrega
e o total carinho pela noite alta
me faz tão sagrada
que me julgo a terra.

Ah, eu sei que – um dia – estarei derramada
em cinzas pelas companheiras rosas
mas – antes – rosas brotarão de mim.  




 [MAURA DE SENNA PEREIRA, A dríade e os dardos, Livraria São José, 1978, pg. 141]




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CÓDIGO


sou
de
morse
      :
te
traço
e
ponto



[VALÉRIA TARELHO, Livro da Tribo, São Paulo, 2013, pg. 294]





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SONHO VAGO

O tempo também é um sonho
Que nossa ilusão afaga
As marés da vida levam embora
Para além de toda a vaga

Grata aos mistérios do início
Somos onda sol e procura
Na noite trevas e sacrifícios
Numa psicose de loucura.

Sonho que sou um barco
Há um anjo que me segura
Além das flechas de meu arco
Sob um céu ermo de ternura.


 [ VANI CAMPOS, Relicário, Somar, Porto Alegre, 2014, P. 23]



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DIA DE INVERNO


Oh! noites frias e insones
em que a tua lembrança cresce
nesta saudade que não passa,
que não passa nunca!
Esperanças longínquas
desfeitas no tempo
que, indiferente, apaga tudo ao seu redor.
E deixa este silêncio,
este vazio,
esta angústia pertinente
que nos nos faz sentir cada vez mais só!


[ Silvia Amélia, Poemas do meu caminho, ACL, 1993, p. 69] 

  

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VINHO DO PORTO

Do camaleão afoito
Parte o porto.
Vem ao cais
Buscar sossego, afirmação.

Dançando na garganta,
À borda do cálice,
Eu respiro.
Tenho seu grito.

[ Rita Raphael, Da sedução, da intimidade, do mundo, Editora Cepec, Florianópolis, 1988, p. 15]




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TUA AUSÊNCIA

Na noite insone a que o amor pletora
- Os meus sentidos todos de ti cheios –
Cada minuto se transforma em hora,
E cada hora um dia é de anseios:

As minhas mãos, em lúbricos meneios,
Buscando-te, se perdem leito afora;
Meu coração, arfando nos meus seios,
A maciez da tua boca implora,

E, trêmulos, os lábios entreabertos
Os teus procuram nos lençóis desertos;
O peito opresso, a voz febril, gemente,

Sussurra, estertórica o teu nome...
Em vão o amor em chamas me consome:
Ninguém me ouve, tu estás ausente

[ Leatrice Moellmann, Confissões de amor, Editora Insular, Florianópolis, 2015, p. 34]





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LI E RECOMENDO (12)









ANA CRISTINA CÉSAR poética



Há uns dias, em plena madrugada, sem sono algum, com o controle da tv buscando algum programa que prestasse, deparei-me com a declamação de um poema pelo ator Paulo José. Surpreendido, primeiro pela  leitura de um poema numa emissora de tv,  segundo por  perceber que tratava-se de um programa sobre Literatura Brasileira, abandonei o controle remoto.  Encontrei o que procurava. A emissora?  O Canal Brasil.

Como peguei o “bonde andando”, demorei um pouco para saber o nome do poeta, (no caso da poeta), que estava sendo apresentada no programa. Após aguardar o suplício dos comerciais, fiquei sabendo que a poeta era Ana Cristina Cesar. Os depoimentos de amigos da autora e  de poetas contemporâneos, bem como a declamação de mais poemas realmente mexeram comigo. Deixaram-me preso (no bom sentido) ao programa a ponto de ficar indignado quando terminou.

Embora já tivesse ouvido falar em Ana Cristina Cesar, percebi naquele momento que possuía nenhum livro dela em minha biblioteca e, o mais lamentável, não havia lido nada daquela poeta cujos versos e cuja história de vida tanto me tocavam naquele momento. Fui dormir com o firme propósito de resolver o problema o mais rápido possível. Confesso que demorei muito para pegar no sono, o que ocorreu apenas às quatro da manhã.

Sem deixar passar mais um dia sequer, fui na manhã seguinte  a uma livraria do centro da cidade e adquiri um exemplar do livro Poética / Ana Cristina Cesar. O livro, com 503 páginas, editado pela Companhia das Letras de São Paulo em 2013, tem como curador editorial Armando Freitas Filho, que também é o apresentador da obra. A capa e o projeto gráfico são de Elisa von Randow e a foto da capa, de Cecília Leal, pertence à coleção da própria Ana Cristina Cesar e tudo pertence  ao acervo do Instituto Moreira Salles.

Uma das coincidências da vida: Ana Cristina Cesar faleceu no dia 29 de outubro de 1983, data em que este poetinha completava 35 anos.

A obra está assim estruturada: Apresentação de Armando Freitas Filho (p.7); Cenas de abril (poesia, 1979 – p. 15); Correspondência completa (1979 – p.45); Luvas de pelica (1980 – p.53); A teus pés: prosa/poesia (1982 – p. 75); Inéditos e dispersos: poesia/prosa (1985 – p.125); Antigos e soltos: poemas e prosas da pasta rosa (2008 – seleção, p.125); Visita à oficina 9 p. 403); Posfácio, Viviane Bosi (p. 425); Apêndice (p. 433); Cronologia (p. 491); Créditos das imagens (p. 497); Índice de títulos e primeiros versos (p. 498).

Sobre a obra, seleciono, a seguir, algumas passagens da apresentação feita por Armando Freitas Filho:

1-    “Em Cenas de abril,  de 1979, uma poesia tocante e pungente apareceu como que escrita não nas linhas, mas nas entrelinhas dos sentidos. O acaso da construção alterava a estrutura esperada do poema. O livro de estreia era magro e, na aparência, insuficiente para matar a fome de quem o lia e relia, a princípio curioso com os enigmas de uma poética densa que exigia uma leitura refletida, mastigada: nem todos os enigmas se resolviam, pois quem disse que tudo tem solução?” (p.7)

2-    “ No livro seguinte, Correspondência completa, a poeta se abreviou ou se mascarou como Ana Cristina C., ‘singular e anônima’ como tão bem definiu Silviano Santiago, em ensaio seminal sobre sua poesia. Uma tentativa talvez, de criar ao menos um vínculo, por mais epidérmico que fosse, com alguns dos seus companheiros de geração que costumavam assinar a autoria com apelidos sem pompa nem circunstância.” (p.9)

3-    Luvas de película” são inglesas, de 1980. O livro é assinado por Ana Cristina C. A capa reproduz um desenho de Bia Wouk de uma figura feminina que o tempo esmaeceu, na reprodução e fora dela. É a impressão que dá, devido ao sentimento de perda., melancolia e desnorteio que encontramos na narrativa. Neste volume, o antigo desejo de escrever um romance, que chegou a ser esboçado n’ “O Livro” (uma das seções de Antigos e soltos) dá seu primeiro passo através de um texto híbrido, flutuante, mal saído do rascunho, que conjuga com perfeição o poema, a prosa, o diário, a carta, a anotação para ser usada ou não, pitadas de ensaio, num verdadeiro mélange adultere de tout , como dizia Corbière:” (p.10)

4-    Eliminou a abreviatura, tirou a máscara dos óculos escuros, recuperando sua identidade como poeta se disfarces, e publicou A teus pés, em 1082. O volume se inicia com uma coletânea inédita que dá título ao livro e reúne os anteriores revistos. O aspecto “caseiro” das edições independentes é suprimido: a “Equipe do coração” no colofão de Cenas de abril  e a “2ª edição” de Correspondência completa desaparecem. No primeiro caso, fica a ficha técnica pura e simples, sem “coração”, e no segundo, some o registro bibliográfico falso da edição princeps, que poderia continuar a ser verdadeira, então.” (p.12)

5-    “Depois disso, tudo foi póstumo sem a sua mão ordenadora. Inéditos e dispersos, arrancado de quatro caixas de papelão deixadas aqui em casa por seus pais atendendo à ordem expressa dela e Antigos e soltos, descoberto a posteriori e organizado com esmero e sabedoria por Viviana Bosi. Seus textos de ensaio, crítica, tradução, dissertações acadêmicas, correspondência que venham a ser publicados depois completarão a obra, sempre incompleta.” (p.13)


SOBRE A AUTORA




Ana Cristina Cruz Cesar (Rio de Janeiro, 2 de junho de 1952 — Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1983), poeta e tradutora brasileira, conhecida como Ana Cristina Cesar (ou Ana C.) é considerada um dos principais nomes da geração mimeógrafo da década de 1970, e tem o seu nome muitas vezes vinculado ao movimento de Poesia Marginal.

Filha do sociólogo e jornalista Waldo Aranha Lenz Cesar e de Maria Luiza Cruz, nasceu em uma família culta e protestante de classe média. Tinha dois irmãos, Flávio e Filipe.
Antes mesmo de ser alfabetizada, aos seis anos de idade, já ditava poemas para sua mãe. Em 1969, Ana Cristina Cesar viajou à Inglaterra em intercâmbio e passou um período em Londres, onde travou contato com a literatura em língua inglesa. Quando regressou ao Brasil, com livros de Emily DickinsonSylvia Plath e Katherine Mansfield nas malas, dedicou-se a escrever e a traduzir, entrando para a Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC-RJ), aos dezenove anos.
Começou a publicar poemas e textos de prosa poética na década de 1970 em coletâneas, revistas e jornais alternativos. Seus primeiros livros, Cenas de Abril Correspondência Completa, foram lançados em edições independentes. As atividades de Ana Cristina não pararam: pesquisa literária, mestrado em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outra temporada na Inglaterra para um mestrado em tradução literária (na Universidade de Essex), em 1980, e a volta ao Rio, onde publicou Luvas de Pelica, escrito na Inglaterra. Em suas obras, Ana Cristina Cesar mantém uma fina linha entre o ficcional e o autobiográfico.
Cometeu suicídio aos trinta e um anos, atirando-se pela janela do apartamento dos pais, no oitavo andar de um edifício da rua Tonelero, em Copacabana.
Armando Freitas Filho, poeta brasileiro, foi o melhor amigo de Ana Cristina Cesar, para quem ela deixou a responsabilidade de cuidar postumamente das suas publicações. O acervo pessoal da autora está sob tutela do Instituto Moreira Salles. A família fez a doação mediante a promessa de os escritos ficarem no Rio de Janeiro. Contudo, sabe-se que muitas cartas de Ana Cristina Cesar foram censuradas pela família, principalmente as recebidas do escritor Caio Fernando Abreu.



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DA SÉRIE “EU SOU POEMA”



[Entardecer de inverno na Lagoa da Conceição/Alessandra Pinheiro/SC]



HÁ CERTO DESVIO DA LUZ


Há certo desvio da luz
nas tardes invernais
que oprime, tal o peso
de músicas em catedrais.

Fere-nos celestialmente,
não vemos qualquer cicatriz,
só o íntimo entendimento
que o sentido nos diz.

Nada podemos ensinar-lhe.
Selado desesperar -,
Imperativa aflição
que nos chega pelo ar.

Quando vem, a paisagem escuta,
prendem as sombras o alento.
Quando vai, é como o olhar
da morte em distanciamento.


[Emily Dickinson, tradução livre  de Silveira de Souza especialmente para este blogue] 




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DA SÉRIE “CRÔNICAS, CONTOS E OUTROS”




[Escultura de Elisa Zattera/RS]




A MEDIDA É O GOZO



Hoje vim para dizer que não quero as meias verdades, as meias palavras, os meios sentimentos. Hoje quero a redondeza da Terra, o caminho com começo, meio e fim, o salto com impulso, velocidade e alvo.

Com a voracidade definida, o querer afiado, não desejo mais as fatias, mas o bolo inteiro, com glacê, calda e cereja. O beijo com saliva e língua. O abraço pleno com direito a mergulhar no outro. O passeio com sol e sorvete, a atmosfera leve como as manhãs da infância. Porque na infância, antes que nos contaminem a liberdade, temos noção dessa inteireza que a maturidade nos rouba, porque o adulto é um craque em escamotear a si mesmo, dissimular emoções, conter o choro, medir o riso, evitar os excessos, neutralizar instintos, viver o possível.
 
Então, vim para dizer que querer demais faz bem. Que aquele que só se doa pela metade, no fundo, não dá nada de si, não pega a estrada com a gana do aventureiro, do cigano que não tem terra a perder, do nômade que não se fixa porque tem horizontes.

Hoje quem tiver a disposição da entrega será meu honroso convidado. Pode vir ao banquete, comer e beber as iguarias, servir-se do pomar de doces frutos pendentes, no ponto de serem apanhados sem risco de nódoas de amargar a língua, sem risco do engodo dos sentimentos verdes, das flores sem pólen, dos favos sem mel. 

Hoje a minha medida é o gozo e quem quiser menos que isso, por favor, saia do caminho, porque a vida não admite conta-gotas nem escorre em filetes. A vida molha, inunda, fertiliza, multiplica. A vida é o mistério da reprodução sem fim.

(Célia Musilli – SP`, Todas as Mulheres em Mim, Atrito Arte, 2010)

                           

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DA SÉRIE “NOSSA LÍNGUA”








GAFES TELEVISIVAS


Isso endoida a gente.


Dependendo de como se pronuncie essa forma verbal, isso realmente endoida a gente. O verbo endoidar não tem forma com ói. Vamos ler, então:

Isso endoida a gente. (endôida)

Certas gafes endoidam qualquer um. (endôidam)

Vocês querem que eu endoide? Venham me oferecer um computador tira-teima...

Quem viu um jornal noturno da televisão percebeu o seu correspondente nos Estados Unidos anunciar assim o filme de Anthony Perkins:

Perkins é um tarado incorrigível. Basta aparecer uma loira, que ele endóida completamente.

E então? Isso não endoida a gente, caro leitor?  


 [ Luiz Antônio Sacconi, Gafite, nº. 1, abril 1987, Nossa Editora, p. 14]



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DA SÉRIE " [SÓ]RIR E/OU PENSAR












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DA SÉRIE  “REPASSANDO”





[Arte no Café de Michele Espíndola]



Atire a primeira  pedra quem nunca cometeu um pleonasmo!



Autor: "Anônimo Desconhecido" (Já é o primeiro pleonasmo)

Você já "pleonasmou" hoje?

Todos os portugueses (ou quase todos) sofrem de "pleonasmite", uma doença congênita para a qual não se conhecem nem vacinas nem antibióticos. Não tem cura, mas também não mata. Mas, quando não é controlada, chateia (e bastante) quem convive com o paciente.

O sintoma desta doença é a verbalização de pleonasmos (ou redundâncias) que, com o objetivo de reforçar uma ideia, acabam por lhe conferir um sentido quase sempre patético.
Definição confusa? Aqui vão quatro exemplos óbvios: "Subir para cima", "descer para baixo", "entrar para dentro" e "sair para fora".

Já se reconhece como paciente de pleonasmite? Ou ainda está em fase de negação? Olhe que há muita gente que leva uma vida a pleonasmar sem se aperceber que pleonasma a toda a hora.

Vai dizer-me que nunca "recordou o passado"? Ou que nunca está atento aos "pequenos detalhes"? E que nunca partiu uma laranja em "metades iguais"? Ou que nunca deu os "sentidos pêsames" à "viúva do falecido"?
Atenção que o que estou a dizer não é apenas a minha "opinião pessoal". Baseio-me em "factos reais" para lhe dar este "aviso prévio" de que esta "doença má" atinge a "todos sem exceção".

O contágio da pleonasmite ocorre em qualquer lado. Na rua, há lojas que o aliciam com "ofertas gratuitas". E agências de viagens que anunciam férias em "cidades do mundo". No local de trabalho, o seu chefe pede-lhe um "acabamento final" naquele projeto. Tudo para evitar "surpresas inesperadas" por parte do cliente. E quando tem uma discussão mais acesa com a sua cara metade, diga lá que às vezes não tem vontade de "gritar alto""Cala a boca!"?

O que vale é que depois fazem as pazes e vão ao cinema ver aquele filme que "estreia pela primeira vez".

E se pensa que por estar fechado em casa ficará a salvo da pleonasmite, tenho más notícias para si. Porque a televisão é, de "certeza absoluta", a "principal protagonista" da propagação deste vírus.

Logo à noite, experimente ligar o telejornal e "verá com os seus próprios olhos" a pleonasmite em direto no pequeno ecrã. Um jornalista vai dizer que a floresta "arde em chamas". Um treinador de futebol queixar-se-á dos "elos de ligação" entre a defesa e o ataque. Um governante dirá que gere bem o "erário público". Um ministro anunciará o reforço das "relações bilaterais entre dois países". E um qualquer "político da nação" vai pedir um "consenso geral" para sairmos juntos desta crise.

E por falar em crise! Quer apostar que a próxima manifestação vai juntar uma "multidão de pessoas"?

Ao contrário de outras doenças, a pleonasmite não causa "dores desconfortáveis" nem "hemorragias de sangue". E por isso podemos "viver a vida" com um "sorriso nos lábios". Porque um Angolano a pleonasmar, está nas suas sete quintas. Ou, em termos mais técnicos, no seu "habitat natural".

Mas como lhe disse no início, o descontrolo da pleonasmite pode ser chato para os que o rodeiam e nocivo para a sua reputação. Os outros podem vê-lo como um redundante que só diz banalidades. Por isso, tente cortar aqui e ali um e outro pleonasmo. Vai ver que não custa nada. E "já agora" siga o meu conselho: não "adie para depois" e comece ainda hoje a "encarar de frente" a pleonasmite!

Ou então esqueça este texto. Porque afinal de contas eu posso estar só "maluco da cabeça".

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DA SÉRIE “POEMAS VISUAIS”






[Poema visual de Pinheiro Neto/SC]





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[Poema visual de Fátima Queiroz/SP]






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O MELHOR LIVRO DE POEMAS QUE ESCREVI POUQUÍSSIMOS PODERÃO LER NESTA VIDA.
ELE ESTÁ IMPRESSO NO MEU CORAÇÃO! E TU, COM CERTEZA ESTÁS LÁ, EM TODOS
OS VERSOS QUE NÃO FORAM PUBLICADOS.

(Pinheiro Neto)


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CONFRARIA DO [meu] POEMA-pn



Na trama
Na trança
O verso
Branco
Ou livre
Trancafia
No peito
O algoz
Do teu
Coração.


(Pinheiro Neto, Poema 16, inédito, agosto 2013